Uma das dez Leis Morais que o Espiritismo consagra, na terceira parte de “O livro dos espíritos”, obra pioneira da filosofia espírita, que Allan Kardec estabeleceu neste orbe, em prodigioso concurso com as inteligências desencarnadas, é a Lei de Liberdade. Trata-se do capítulo dez, que consagra duas espécies de liberdade, fundamentais ao Espírito em desenvolvimento: a de pensamento e a de consciência.
Kardec, então, pontua que é pleno o livre-arbítrio humano, pois é o indivíduo que faz suas próprias escolhas. Sempre!
Olho para o texto filosófico, bem composto, encadeado, com sua sequência lógica e com a argumentação que é válida para todas as situações da vida e penso como há os que, ainda, não são livres. Não que figurem encarcerados nas prisões, cujas grades são o obstáculo quase sempre intransponível. Não que sejam portadores de algum equipamento que lhes retenha o passo, como algemas, bolas de ferro ou tornozeleiras eletrônicas. E, tampouco, sejam seres que foram confinados por outrem em lugares insólitos, inóspitos ou segregados da companhia de seus pares, até mesmo por opção pessoal, como os eremitas.
Eles estão ao nosso derredor, em situações de convívio comum e cotidiano. Há os que são presos ao dinheiro ou aos bens materiais que conquistaram, pelo labor, sorte ou herança, receosos de perdê-los de uma hora para outra. Existem, por outro lado, os que estão presos aos costumes, em zonas de conforto calcadas na repetitividade de gestos e atitudes. E, ainda, os que não têm a ousadia de arriscar, de querer mais, de mudar seus enredos, e ficam aprisionados a um trabalho que não lhes satisfaz, uma ocupação que gera apenas o dinheiro para a subsistência, ou um labor que mais parece um suplício.
Há pais que se acham presos a filhos ingratos e agressivos, por vezes violentos, submetidos aos seus caprichos. Há filhos que rastejam e imploram atenção dos pais, para não perder algumas vantagens que têm, por morarem nas casas dos primeiros. Há homens e mulheres que “aguentam” um relacionamento ruim, sofrível, com ressentimentos e desgostos, em razão de atavismos culturais, costumes familiares ou com vergonha de se apresentarem, sozinhos, separados, aos familiares e amigos.
E há, por fim, os aprisionados em dogmas religiosos e condicionantes da fé. São compelidos, pelas pregações, pelos textos bíblicos, pelos mandamentos ou sacramentos, ou pelas falas de padres, pastores, expositores ou dirigentes, a terem condutas padronizadas, sob as ameaças que vêm da crença – ou de quem a representa. Acreditam que uma vida submissa às “verdades espirituais” indicadas por esta ou aquela religião, vai lhes dar uma condição melhor no futuro. Seria uma espécie de poupança para a vida futura, um investimento que lhes proporcionará uma condição melhor em relação àquela que experimentam no hoje.
Entro na casa espiritista, abro um romance espírita ou acesso qualquer plataforma de divulgação do espiritismo e vejo as mesmas prisões de outras religiões. Onde foi parar o paradigma da liberdade, fundamento da vida espiritual e da doutrina dos Espíritos? Quem resolveu dar uma interpretação restritiva e condicionante dos trechos que, tão verdadeira e pontualmente, nos foram apresentados pelos Espíritos Superiores, imbuídos do propósito de resgatar as verdades espirituais? Com que direito o fizeram e fazem?
Eu sei que você que está lendo este texto está perplexo e pode, até, não concordar com o que escrevi no parágrafo anterior. É um direito seu, que respeito. Mas vamos, de modo muito claro e resumido dizer o porquê de estarmos considerando os espíritas em geral – sobretudo os que não estudam com afinco a filosofia espírita – como prisioneiros da própria fé.
Os espíritas passam a existência toda “aguardando” a vida espiritual. Fazem projetos. Cultivam desejos. Imaginam-se como se já estivessem do “outro lado”. Alguns chegam a dizer que gostariam de estar em uma colônia, como “Nosso Lar”. Outros apavoram-se, arrepiam-se ante a iminência de poderem ser direcionados a um lugar de sofrimento – expresso em livros ditos espíritas – como o “Umbral”. Já ouvi, também, e repetidas vezes, que há “sanatórios espirituais”, lugares para onde são direcionados os “espíritas que não seguiram as orientações espirituais” ou que “não se tornaram homens de bem, os verdadeiros espíritas” – descritos nas obras kardecianas.
Vejo, também, infelizmente, palestras presenciais ou virtuais incitando ao medo, ao temor, ao desespero. É a repetição, simplória, dos “ais do Evangelho”, recomendações tidas como ditas por Jesus de Nazaré, não como condenações, mas como advertências direcionadas ao melhoramento individual e coletivo da Humanidade. Continuando nos exemplos do Sublime Carpinteiro, também se menciona que ele, ao prodigalizar curas e libertações daqueles que jaziam de males físicos ou espirituais, teria lhes dito: – Vá e não peques mais, para que não te suceda coisa pior!
Ainda que admitamos ter havido modificação da realidade, alteração de falas e conjunturas, as passagens em comento, sob a luz do entendimento espírita, se tornam mais claras e explicadas. Ambas encerram, não uma pré-condenação dos que falseiam, dos que ainda estagiam no erro – como todos nós – mas um convite ao melhoramento, à superação de si mesmo, ao “olhar para dentro” e descobrir talentos, a luz, o sal, a verdade.
Este medo, este temor, também se transmuda, para os espíritas que assim pensam, em culpa. Culpa exacerbada, com vinculação excessiva ao passado – que não pode ser mudado – limitando as ações presentes. E, então, temos milhares, milhões de criaturas se arrastando pelo mundo sem viver o presente. Uns, apegados aos erros do passado. Outros, esperando viver, antes da hora, o futuro. E a atualidade que pode compensar o que passou e projetar o que virá, fica sem função, sem utilidade, sem oportunidade…
Me entristeço ao ver espíritas analisando as comezinhas situações do mundo, assim como os dramas de pessoas próximas e as tragédias divulgadas na mídia ou envolvendo personalidades de renome, com a predeterminação do que irá ocorrer com tais espíritos, em função desta ou daquela atitude. Os julgamentos são costumeiros e há os que, ainda, buscam ilustrações de romances mediúnicos (ou tidos como tal) para fundamentar seus “pareceres”.
Prezo pela liberdade que a Doutrina Espírita me concedeu há mais de três décadas e meia, e que é companheira inseparável dos bons e dos maus momentos. Não sou prisioneiro do “destino”. Não sou sujeito a “acasos”. Não estou ao sabor das marés ou dos ventos.
Tampouco sou vítima de mim mesmo, nem algoz. Sou um “ser em caminhada”, com acertos e erros, procurando que os acertos superem os erros, em quantidade e qualidade.
Assumir-se como espírita é enfrentar a vida (física) de peito aberto e coração confiante, mesmo em situações desfavoráveis – como a que enfrento nestes dias. Mas sou livre, como fui, ao tomar decisões ontem, que me levaram aos momentos atuais. E sei que a minha conduta no hoje, deverá desaguar num amanhã muito melhor. E, para isso, trabalho.
Não deixe que os outros “decidam” por você. Não permita, mesmo na ambiência espírita, que os outros digam o que “vai lhe acontecer”. Quem tem o leme do barco da existência é você, e mais ninguém. E quando alguém vier lhe dizer que você age muito mal, que você está errado, e que irá sofrer muito, diga-lhe que são suas escolhas. E que você, sempre que puder, estará amando, e este amor há de sopesar na balança em seu favor.
A liberdade é SUA. E saibamos, todos nós, que nossas decisões – livres – sobre o fazer ou o não-fazer, trarão decorrências: efeitos, resultados. Aí é que figura o elemento-chave da compreensão da abrangência da Lei de Liberdade sobre cada Espírito: o ser conscientemente responsável por (todas as) suas escolhas…
Liberte-se, mas com responsabilidade!