Em nota oficial emitida em maio/2020, a União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo (USE) veio a público esclarecer que não ratificava ou reconhecia como válidas supostas comunicações mediúnicas alarmistas, independentemente da autoria ou do médium, no que se referia aos últimos acontecimentos envolvendo a pandemia da COVID-19.
Na ocasião, a perplexidade sobre os graves efeitos provocados na saúde humana e nas condições de vida da população em geral favoreceu a proliferação de inúmeras notícias, muitas delas falsas, sobre a situação experimentada e demandou da USE um posicionamento objetivo e embasado doutrinariamente.
Ainda que os esclarecimentos sejam evidentes e versem sobre a naturalidade do flagelo enfrentado, conforme comentado nas questões números 737 a 740, em “O Livro dos Espíritos”, alguns adeptos não muito afeitos ao estudo doutrinário aprofundado ainda deixam-se levar por informações sensacionalistas e de caráter supersticioso.
Passado quase um ano do posicionamento da USE, a maioria dos dirigentes e colaboradores vinculados a essa instituição, a qual reúne cerca de 1.300 centros espíritas paulistas e é a maior entidade federativa do país, já se conscientizou da necessidade de prudência e bom senso na divulgação de notícias supostamente mediúnicas sobre a pandemia.
Destaca-se o fato que qualquer comunicação mediúnica é, apenas, a expressão de uma opinião do Espírito comunicante, acrescida da influência anímica do próprio médium. Esse fato faz com que opiniões divergentes originadas em comunicantes desencarnados sejam observáveis e necessitem de criteriosa análise antes de serem aceitas como válidas.
Conforme encontra-se no item 97, Capítulo II, na obra O que é Espiritismo:
“As contradições que frequentemente se notam, na linguagem dos Espíritos, não podem causar admiração senão àqueles que só possuem da ciência espírita um conhecimento incompleto, pois são a consequência da natureza mesma dos Espíritos, que, como já dissemos, não sabem as coisas senão na razão do seu adiantamento, sendo que muitos podem saber menos que certos homens”.
A pandemia atual é um desafio a ser enfrentado, certamente, porém não se trata de fenômeno que fuja às leis naturais e, muito menos, não é um acontecimento isolado na história da humanidade.
Toda crise tem seu início e seu término e essa não é diferente de muitas outras que já ocorreram no passado. A peste negra dizimou mais de 75 milhões de pessoas entre os anos 1347 e 1350, o que significou mais de 30% da população mundial da época. A gripe espanhola ceifou a vida de milhões de pessoas, após a Primeira Guerra Mundial.
Mesmo surtos causados por vírus não são acontecimentos raros. Nas últimas duas décadas, tivemos o SARS-CoV, na China, em 2002 e o MERSCoV, síndrome respiratória do Oriente Médio, em 2012, ambos da família do coronavírus.
O chamado período de regeneração, quando o aprimoramento moral dos indivíduos promoverá uma nova fase no planeta em que a prática da verdadeira caridade superará o mal gerado pelo orgulho e vaidade, já foi relatado a Kardec no século XIX. Não será uma epidemia no século XXI que marcará essa transição, pois a mesma já está ocorrendo, ainda que a efemeridade de uma encarnação impeça a sua plena percepção.
Segundo destacado no Capítulo XVIII da obra “A Gênese”, a transição moral da humanidade não depende de cataclismos e muito menos de crendices supersticiosas ligadas a conjunções dos astros ou a chuva de meteoros.
Mensagens supostamente mediúnicas que associam a atual pandemia ao início dessa fase de regeneração colidem com as informações que os Espíritos já ofereceram há mais de um século e meio.
Sobre as mensagens que afirmam haver uma demanda extraordinária de atendimentos de recém-desencarnados, como se fosse uma multidão inesperada, o bom senso exige uma análise criteriosa sobre o fato. No Brasil, por exemplo, os registros de óbitos totais nos últimos anos foram os seguintes:
Ano/nº de óbitos
2016 – 1.010.399
2017 – 1.044.475
2018 – 1.189.834
2019 – 1.256.141
2020 – 1.448.162
Fonte: Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais – ARPREN
https://transparencia.registrocivil.org.br/registros
Sem dúvida, o aumento óbitos atribuídos à COVID-19 impactou positivamente a quantidade de registros. Segundo a ARPREN, o ano de 2020 apresentou uma quantidade média de óbitos diários igual a 880 indivíduos, dos quais a maioria referente a pessoas idosas ou com comorbidades. É completamente especulativa, entretanto, qualquer afirmação de que o aumento de mortes atribuídas à COVID-19 seja um sinal de transição planetária, bem como qualquer outra causa natural ou violenta de óbito.
Como já recomendado, quaisquer interpretações dos fatos sem fundamento, considerando a limitação de nossa percepção espiritual, é prematura, assim como a aquiescência perante supostas revelações extravagantes, segundo as orientações que o próprio Codificador nos ofertou sobre o cuidado diante de revelações isoladas, que não atendem aos critérios da razão e nem da concordância do ensino dos Espíritos.
Superaremos os desafios atuais como fizemos com os outros flagelos registrados na história, com coragem, fé raciocinada, confiança nas próprias forças e na Justiça Divina.
NOTA:
* Artigo originalmente publicado no jornal “Dirigente Espírita”, da USE, edição n. 182, de março/abril de 2021.
Matérias excelentes nas reflexões à luz da razão, que deve ser a prática constante do espírita !