Marcelo Henrique
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Nenhuma força material se justifica. Nenhum ódio se valida. Nenhuma ação de atentado à ordem político-jurídica se sustenta.
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Refleti bastante se eu publicaria este artigo ontem, dia 31 de março, ou hoje, primeiro de abril. A primeira data, para nós, brasileiros, independente da idade, é representativa do inferno terreno vivido em nosso país, a ditadura militar (1964-1985). A segunda, jocosamente, é tida como o dia da mentira.
Escolhi a segunda. O motivo é relevante: muitos tratam o 31 de março como uma anedota, ou intentam minimizar os efeitos. Primeiro, dizem que somente “baderneiros” e “criminosos” foram alcançados pelos anos de chumbo. Relativizam a tortura – que seria indigna e, hoje, hedionda (porque o conceito não existia naqueles dias do Século XX, mas hoje é realidade, a partir da normatização vigente) – para destacar, em suas inconcebíveis falas, que se “romantiza” a ditadura, por causa do sem-número de artistas, filósofos, jornalistas e pensadores que sobreviveu – muitos por causa de exílio ou autoexílio – em relação aos tresloucados atos do pessoal “verde-oliva”.
Não é chiste, zombaria ou pilhéria. Muita gente foi “desaparecida”, isto é, após detenções ilegais (é indiscutível a ausência do Estado de Direito, em prisões justificadas por “segurança nacional”, sem contraditório, ampla defesa e devido processo legal), para “depoimentos” sob torturas (as mais atrozes que se poderia imaginar ou constatar, para um mundo dito civilizado), que desembocaram em algumas consequências sabidamente conhecidas: prisão indefinida, imposição de constrangimentos físicos e morais, produção de lesões corporais de variados graus e danos psicológicos e psiquiátricos, mortes e destruição/ocultação dos cadáveres (impedindo que seus familiares e amigos pudessem dar ao perseguido um enterro digno).
Trinta e um de março é o dia da verdade e o primeiro de abril é o da anti-mentira tupiniquim! Eis o porquê do nosso título ser “Não iremos esquecer, pois ainda estamos aqui!”. E permaneceremos. E não descansaremos nem afrouxaremos a “pena escrevente” por um segundo sequer. A História precisa de uma Justiça Restaurativa, Complementar, Inclusiva e Definitiva.
Neste escopo, é preciso rever os atos administrativo-judiciais que se situam naquele quadrante temporal, sobretudo TODOS os que tiverem importado em afrouxamento de avaliação técnica, de decisões judiciais e de atos políticos de anistia.
E, para também não esquecer ou MENTIR, igualmente para a tentativa de segundo golpe republicano, o 8 de janeiro de 2023, igualmente repetimos: ANISTIA, JAMAIS!
Todavia, este é um texto espírita e espiritual. Não há qualquer compromisso deste articulista e deste veículo com o protagonismo de vingança, até porque esta representaria, minimamente, se assim fosse, a utilização de “meios similares” aos que os de farda e os populares ensandecidos se valeram na ditadura (a partir de 1964) e do ensaio golpista (2023). Não há vindita ou desforra qualquer. O que se deseja é, como disse Yeshua, o Magrão, “dar a cada um segundo suas obras”.
As árvores, assim, produziram frutos, em ambas as situações, a cem por um, lembrando outra fala do Nazareno. Só que foram de péssima qualidade e repugnante sabor. Ainda assim, o Brasil degustou, infelizmente, o sabor que eles continham. E o filme brasileiro laureado no Oscar 2025, como melhor filme internacional, “Ainda estou aqui” é representativo da memória que permanece, como espelho para os dias atuais e inspiração no sentido do que se deve garantir e contra quem se deve lutar, permanentemente.
As Inteligências Invisíveis, em variadas respostas ao Professor francês, ilustraram a necessidade de revoluções como usinas transformadoras das coletividades. O Progresso Social, afirmaram, requer a existência de homens de bem, conscientes, proativos, dispostos a fazerem ecoar e reverberar em outros homens os ideais de mutação social. Aquelas três divisas que vêm da época que viu nascer Kardec, liberdade, igualdade e fraternidade não são produto ideológico nem artefato decorativo. Tampouco podem viger independentes ou separados. São umbilicalmente associados, o que nos importa dizer que a liberdade só pode ser com isonomia plena entre os indivíduos, em bases de afeição fraterna.
Entretanto, as animosidades ainda irão permanecer por muito tempo em função daquilo que cada Espírito entender como lógico-racional e inspirativo, na proporção de suas “luzes” espirituais. Se há os que tentam diminuir as ações funestas de 1964 e 2023, como manifestações da liberdade democrática – como se houvesse qualquer abertura na conceituação de Livre Democracia para albergar os fatos de ambos os contextos histórico-sociais – inclusive para defender ideologias políticas e candidaturas futuras para o cargo maior da nação brasileira, é importante salientar que, de outro lado, existem os que se posicionam contrariamente, mas a base do raciocínio e da lógica aplicados está sediada no conjunto de preceitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Não acreditai, pois, em todos os Espíritos, disseram aquelas vozes imortais ao Inventor do Espiritismo, para identificar a necessidade da apreciação sem “paixões” e enviesamentos de falas e atitudes. E para os espíritas que entendem esta advertência somente para os textos psicografados ou as ambiências das instituições espíritas – muitas delas com aparência e contextura de igrejas, com seus dogmatismos e liturgias – é preciso dizer que o Espiritismo não se basta nem subsume a si mesmo. O Espiritismo, enquanto expressão da realidade espiritual está EM TUDO e EM TODOS!
Nenhuma força material se justifica. Nenhum ódio se valida. Nenhuma ação de atentado à ordem político-jurídica se sustenta.
É justamente por isso que os espíritas sensatos, os que compreenderam a proposta espiritual contida na obra de Kardec e, em especial, como representantes deste segmento, nós, do Espiritismo COM Kardec, dizemos e repetiremos sempre: Não iremos esquecer, pois ainda estamos aqui!
Imagem – Brasília (DF), 01/04 /2025 – Sessão em Homenagem ao Dia Internacional do Direito à Verdade. Projeção da foto de Vladimir Herzog, jornalista morto pela ditatura. Foto: Lula Marques/Agência Brasil