O complexo de vira-lata do brasileiro, por Sidnei Batista

Tempo de leitura: 5 minutos

Sidnei Batista

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A dependência da sociedade por vinculação aos militares é uma espécie de arquétipo coletivo. Todo mundo exerce influência uns sobre os outros, de sorte que há uma unanimidade entre as pessoas, que caracteriza o movimento de massas. Estabelecem-se as lutas de classes, e a extrema direita é singularizada pelo pensamento comum do “Complexo de vira-latas”, na opinião do grande jornalista e escritor Nelson Rodrigues.

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No dia 20 do mês de janeiro de 2025 o mundo testemunhou a posse do presidente da nação – que, até agora, figura como a maior potência do planeta. A cerimônia seria apenas um show de bizarrices não fossem seus discursos arrogantes de “dono do mundo”, fazendo ameaças de violação aos direitos humanos, de supressão da soberania das nações e de sobretaxação de produtos estrangeiros, que poderiam ser simples bravatas, não fosse acionado o sinal amarelo de perigo à segurança dos povos.

No seu discurso de bravateiro perigoso, Trump anunciou que seu primeiro decreto seria expulsar imigrantes ilegais – cerca de onze milhões -, não perdoaria nem mesmo os filhos nascidos em solo estadunidense, que pela Constituição são americanos e cidadãos dos Estados Unidos. No discurso, Trump justificou que os imigrantes são invasores indesejáveis e que devem ser expulsos.

Quase simultaneamente rolou na internet um meme no qual aparece em primeiro plano a foto de Trump dizendo que “imigrantes ilegais trazem crimes, drogas e violência”, e abaixo aparece a figura de um indígena originário, retrucando: “Eu sei”. A foto diz muito! O indígena está mostrando que é ele o legítimo cidadão norte-americano, o verdadeiro proprietário do território e que o homem branco, representado por Trump, é o invasor, que se apossou das terras indígenas, usando violência e astúcia, no que se chamou a “conquista do oeste”, dizimando populações inteiras de nativos, tidos por vilões pelos brancos, sempre com o apoio do Exército.

Já no final do século 19, os Estados Unidos da América começaram a expandir sua hegemonia geopolítica mundial, de “protetores” de nações subdesenvolvidas. Com sua Inteligência e seu poderio armamentista e militar, os EUA forjaram uma imagem de superpotência intervindo na soberania de países, derrubando governos, implantando ditaduras de direita e promovendo guerras. Na América Latina, principalmente o Brasil foi o pais onde a propaganda da supremacia norte americana foi fortemente introjetada na cultura e mentalidade do povo entreguista, subserviente ao controle dos ianques que lhe exploravam as riquezas naturais.

A população brasileira se caracteriza por ser um povo sabujo, despolitizado, parece destinado a ficar eternamente no Terceiro Mundo. E, quando dá um passo para a frente, as elites sociais pedem aos americanos um golpe de estado. “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, frase de Juracy Magalhães, nomeado embaixador do Brasil nos Estados Unidos pelo ditador militar Castelo Branco, ilustra claramente o perfil subdesenvolvido e o caráter vira-latista de parte do povo brasileiro, simbolizado pela classe média e pelo pobre de direita, na expressão do sociólogo e escritor Jessé Souza.

Um dos maiores veículos de lavagem cerebral para inocular o papel e a dependência aos militares, fazendo do povo brasileiro vassalo submisso ao controle e manipulação dos norte-americanos, foi o cinema. As pessoas mais velhas se lembram de que, quando adolescentes, havia as matinés aos domingos, os filmes geralmente do gênero faroeste. Os índios atacavam uma cidade, levando terror aos habitantes. Quando tudo parecia perdido, ouviam-se os clarins da cavalaria chegando para socorrer os cidadãos brancos, de bem. Surgiam na tela os soldados, tremulando à frente a bandeira norte-americana como símbolo de salvação da população.

E os soldados estraçalhavam os vilões indígenas, criminosos que deveriam ser eliminados sem piedade – justamente eles as maiores vítimas da colonização dos brancos. O cinema vinha abaixo, a molecada, aos delírios, batia os pés no assoalho, um barulho ensurdecedor, soltando gritos entusiasmados ao verem os indígenas serem massacrados. Aquelas cenas faziam uma verdadeira lavagem cerebral nos adolescentes.

Aqueles meninos e meninas são os adultos de hoje… Alienados, retrógrados, atrasados e a imensa maioria é de extrema direita (para quem os EUA são o genuíno e perfeito modelo de nacionalismo). O Brasil, então, não é mais que um puxadinho de fundo de quintal dos norte-americanos. Nos dias atuais, além do cinema, a lavagem cerebral é feita por outra expressão cultural importada dos Estados Unidos, desde tenra idade as crianças são “bombardeadas” para festejarem a data do “Halloween”, festa passada de pais para filhos, influenciando gerações.

O brasileiro comum é um povo sem memória histórica, infelizmente. No entanto, considera as forças armadas em alta conta. Para esse segmento ignorante da população, os militares representam o “quarto poder” da Nação, o antigo Poder Moderador – e isto é uma falácia – que atuaria, para eles, em última instância, acima dos demais poderes, executivo, legislativo e judiciário.

Desde 1500, nos seus 524 anos de existência, a História do Brasil jamais registrou haverem os militares reprimido um único movimento de revolta das elites dominantes do País. Antigamente, eram os senhores de engenho, os escravocratas, os barões do Império e, hoje, é o chamado Mercado, a “Faria Lima”, a mídia corporativa. Por quê? Ora, porque os ricos não se revoltam contra o Estado reivindicando seus direitos, afinal são eles que dominam, controlam e manipulam o Estado a favor dos seus interesses capitalistas. Para o povo, eles desejam o Estado Mínimo, enquanto para eles o Estado deve ser Máximo. Quando muito, os poderosos conspiram contra os governantes quando estes não lhes satisfaçam os apetites de lucros vultosos obtidos, não por conta da produção de bens de consumo ou de comodities – muitos não produzem um único alfinete –, mas pela especulação financeira nos pregões da Bolsa de Valores ou nas “offshores”, em paraísos fiscais. E, se por acaso, a trama conspiratória dos poderosos contra o governo não é bem sucedida, a corda sempre arrebenta do lado mais fraco – Tiradentes que o diga, ontem, Mauro Cid que o diga hoje, embora este seja um canalha de extrema direita, usado como “boi de piranha” por outros canalhas de grosso calibre.

Já para achacar o povo, reprimir violentamente as manifestações das classes populares, trucidar negros nas comunidades, aí o exército e a polícia se fazem onipresentes para defender a “Casa Grande” contra a “Senzala”. Exemplos, a História tem de sobra: O massacre de Canudos, a Revolução Praieira, a Guerra do Contestado, a Guerra dos Farroupilhas, a Balaiada, a Cabanada, a Sabinada, as lutas camponesas do Nordeste, o Massacre do Carandiru. E, é claro, o golpe civil-militar de 1964 que impôs uma ditadura cruel e sangrenta por 21 longos anos. Em todos esses episódios, as forças armadas apenas fizeram o papel de “leões-de-chácara” das elites poderosas, e estas, por sua vez, usaram o povo ignorante como massa de manobra, como sucedeu na “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” (1964), pedindo a intervenção dos militares para conter o avanço do Comunismo.

A dependência da sociedade por vinculação aos militares é uma espécie de arquétipo coletivo. Todo mundo exerce influência uns sobre os outros, de sorte que há uma unanimidade entre as pessoas, que caracteriza o movimento de massas. Estabelecem-se as lutas de classes, e a extrema direita é singularizada pelo pensamento comum do “Complexo de vira-latas”, na opinião do grande jornalista e escritor Nelson Rodrigues.

Necessário, portanto, que os espíritas que estudam história e conhecem esses fatos estejam sempre atentos para esclarecer a opinião pública, distante de falácias e inverdades, posicionando-se como construtores de uma sociedade transformada.

Imagem de Nicolaas Boersen por Pixabay

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

3 thoughts on “O complexo de vira-lata do brasileiro, por Sidnei Batista

  1. Só gostaria de pontuar o seguinte: os EUA não são mais a potência econômica que eram e uma evidência disso é que quem tem o domínio não precisa ameaçar ninguém e o uso da força não condiz com uma visão plena de um mundo globalizado, conectado. E um dos acontecimentos que deixaram isso claro, foi a criação da IA (Inteligência Artificial Deepseek) que promoveu perda de valor nas ações das big techs (grandes empresas de tecnologia que dominam o mercado de inovação e tecnologia. As principais são: Alphabet Inc. (Google); Amazon; Apple Inc.; Microsoft; Meta Platforms (anteriormente Facebook) e as asiáticas em crescimento: Samsung Eletronics, da Coreia do Sul; Tencent, da China
    TSMC (Taiwan Semiconductor), de Taiwan; Sony, do Japão).
    É preciso compreender que já não há mais o domínio de um só país na economia mundial.

    “Os EUA não são mais a única superpotência incontestada a dominar em todos os domínios (ou seja, militar, cultura, economia, tecnologia, diplomacia). (1) De acordo com o Asia Power Index 2020, os Estados Unidos ainda assumem a liderança em capacidade militar, influência cultural, resiliência e redes de defesa, mas ficam atrás da China em quatro parâmetros de recursos econômicos, recursos futuros, relações econômicas e influência diplomática.[2]

    Uma pesquisa de 2021 mostra que 79% dos americanos acreditam que “a América está caindo aos pedaços [falling appart]” (3)

    (1) – February 28, Godfree Roberts •; 2020 • 1; Reply, 900 Words • 263 Comments • (28 de fevereiro de 2020). «Does China Outspend US on Defense?». The Unz Review. Consultado em 30 de novembro de 2020.

    Allison, Graham (15 de outubro de 2020). «China Is Now the World’s Largest Economy. We Shouldn’t Be Shocked.». The National Interest (em inglês). Consultado em 30 de novembro de 2020

    Institute, Lowy. «United States – Lowy Institute Asia Power Index». Lowy Institute Asia Power Index 2020 (em inglês). Consultado em 30 de novembro de 2020

    (2) – ]Institute, Lowy. China – Lowy Institute Asia Power Index». Lowy Institute Asia Power Index 2020 (em inglês). Consultado em 30 de novembro de 2020

    (3) – Allen, Mike. «Republicans and Democrats agree — the country is falling apart». Axios (em inglês). Consultado em 30 de janeiro de 2021

    1. Caro Leonardo Paixão, o artigo não é adstrito à discussão da nova ordem geopolítica que se desenha na atualidade planetária, em que o eixo de superpotência se desloca para a China, a Rússia, e para consolidação das potências regionais do Sul Global, entre as quais o Brasil tem tudo para ser líderes na hegemonia da AL. O que apresentei no texto é a vassalagem, o puxa-saquismo lambe-saco de grande parte da sociedade brasileira aos norte americanos. Essa gente, de direita/extrema direita desde sempre fez do Brasil um puxadinho dos EUA, tanto que Bolsonaro afirmou que se retomar o poder em 2026 a primeira ação dele é retirar o Brasil dos BRICS. Não importa para esses vira-latas que os EUA percam a supremacia de superpotência, importa que segurem com mão de ferro a América Latina como feudo, o Brasil na canga, já que Africa, Ásia e outras regiões estão se livrando deles, e se alinhando ao Sul Global.

  2. Até concordo em alguma parte, porém achei o texto rabugentamente socialista demais. O interessante é que todas as mazelas do mundo são de responsabilidade dos povo que está à direita do espectro político. E os santinhos da história são o povo socialista. Só que a Europa, de maioria socialista, está caindo de podre. Parece que o socialismo não deu muito certo lá. E Cuba? Parece que lá o socialismo é uma maravilha, né! Não adianta muito o palavreado socialista baseado no Gramscismo para resolver todos os males de uma nação. Parece, pelo que entendi, que o lema é o seguinte: acuse os outros do que você faz…

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