Wilson Custódio Filho
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Quando os homens se reúnem para falar de paz, quantas certezas se fragilizam diante dos ruídos dos interesses pessoais.
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Promessas de redução de carbono, de contenção do aquecimento global, de proteção das florestas, de um fundo internacional contra a fome… promessas e mais promessas. Metas e métricas sustentadas sobre a linha tênue da hipocrisia mútua.
Todavia, à sombra das grandes negociações e das retóricas solenes, persiste uma constante: a natureza humana, que hesita entre o bem comum e a manutenção de seus próprios interesses. Cada um, a seu tempo, em seus templos, entre mitos e deuses… Andarilhos pelos montes, eremitas em cavernas, todos voltados para o reflexo ao fundo.
Na pintura impressa no DNA, marca esculpida em alto-relevo no Espírito errante, vou andando, entre idas e vindas, o que me induz a caminhar para Allan Kardec (e sua Doutrina dos Espíritos), e para a Lei do Progresso.
O Progresso e os homens
Nela, conforme “O livro dos Espíritos” (item 786), Kardec questiona as Inteligências Invisíveis e recebe, delas, uma pontual sentença:
“A História nos mostra uma multidão de povos que após terem sido convulsionados recaíram na barbárie. Onde está nesse caso o progresso? Quando tua casa ameaça cair, tu a derrubas para a reconstruir de maneira mais sólida e mais cômoda; mas, até que ela esteja reconstruída haverá desarranjos e confusões na tua morada”.
No estágio atual, muitos líderes políticos, sustentados pelo poder financeiro e aliados pela força das armas, se proclamam como deuses. Mas que deus é esse que ignora as leis naturais que nos tornam todos iguais?
Alexandre, o Grande, regeu terras profusas, mas não pôde evadir-se da morte. Napoleão reiterou mapas, mas, viu ruir seu império. Galileu enfrentou dogmas, mas só divisou uma parte do cosmos. Cleópatra – uma rainha poderosa – manipulou reinos, mas não conseguiu mudar seu destino.
Todavia, quando Kardec estruturou a Doutrina dos Espíritos, estava cônscio de que o progresso não dá saltos. O homem, em sua imodéstia, todavia, segue se autointitulando como “senhor do tempo”, embora mal compreende a poeira que o cerca…
Que poeira? Vejamos em “A Gênese”, Capítulo II, Item 6º (grifamos):
“Frágil átomo perdido em um ponto impercetível do infinito, o homem acreditou abranger com seu olhar a extensão universal, quando apenas pode contemplar a região que habita; crê estudar as leis da natureza inteira, mas, suas percepções se limitam às forças em volta dele; acreditou que determinara a grandeza do céu quando se desgasta para definir um simples grão de poeira”.
No curso das existências é certo que a morte sobrevirá, mas não há para nós qualquer motivo para preocupação, pois, acredite ou não, a sobrevivência após o sepulcro se fará segundo o estado de consciência: seu Céu ou seu Inferno, conforme suas obras.
Cabe aqui a divisão de deveres, entre religiosos, ateus e, especialmente, os espiritistas, dos quais faço parte… Francisco de Assis renunciou à riqueza para caminhar entre os pobres; Mohandas Gandhi enfrentou impérios valendo-se da não-violência; Isaac Newton desvendou as leis da física sem pretender findá-la; Hipócrates ensinou que a medicina deve servir ao ser humano, sem viciá-lo nos remédios; Nelson Mandela atestou que a justiça e o perdão devem caminhar juntos, e não indissociados.
A todos os seres viventes – os humanos – muito foi dado… Muito possuem, portanto, e ainda mais lhes será exigido. Sob a luz do progresso, não há culpados nem inocentes: todos somos corresponsáveis. O planeta clama, enquanto o homem pensa. E se pensa, é preciso agir.
E se nos voltamos à arte progressista – muito antes do Acordo de Paris (que trata da redução da emissão de gases, assinado por 190 países), grandes gênios da música já nos instigavam a refletir sobre nossa relação com a Terra. Michael Jackson, por exemplo, com sua icônica “Heal the World” (Cure o Mundo, 1992), questionava:
“Então, por que continuamos sufocando a vida? Ferindo a Terra, crucificando sua alma”.
Bem antes, mas na mesma linha de reflexão, Beto Guedes, em “Sol de Primavera” (1979), nos lembrou da importância de internalizarmos as lições recebidas e que carecem de atitudes: “A lição sabemos de cor, só nos resta aprender”.
Deste modo, queridos amigos, a Mãe Terra repara o silêncio irônico dos Homens de Bem, que, atraídos pelo egoísmo, orgulho e vaidade, negligenciam a razão e aviltam a inteligência dos simples de coração. Quanto a esses últimos, não basta apenas contemplar, é preciso ação! Que sigamos juntos na caminhada.
Para finalizarmos, recorremos a poética de León Denis (“O Grande Enigma”, Capítulo X):
“Um livro grandioso, dissemos, está aberto sob nossos olhos, e qualquer observador paciente pode nele ler a palavra do enigma, o segredo da vida eterna”.
Prossigamos avante, pois, na escala do tempo.
Referências:
DENIS, L. O Grande Enigma: Deus e o Universo. Trad. Maria Lúcia Alcântara de Carvalho. Rio de Janeiro: CELD, 2011.
GUEDES, B. Sol de Primavera. 1979. Disponível em <https://www.letras.mus.br/beto-guedes/44548/>. Acesso em 28. Jan. 2025.
JACKSON, M. Heal the World. 1991. Disponível em <https://www.vagalume.com.br/michael-jackson/heal-the-world-traducao.html>. Acesso em 28. Jan. 2025.
KARDEC, A. A Gênese: os milagres e as predições segundo o Espiritismo. Obra Original de 1868. Trad. Carlos de Brito Imbassahy. São Paulo: FEAL, 2021.
KARDEC, A. O livro dos Espíritos. Trad. J. Herculano Pires. 64. Ed. São Paulo: LAKE, 2004.
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