Leopoldina Xavier
“Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu nome.
Mas que a subsistência tenha sempre o quente sabor da ternura.”
Thiago de Mello (“in memoriam”), em “Os Estados do homem”.
Para compreender melhor o valor do trabalho como fator de desenvolvimento social e evolução moral, faremos um breve histórico sociocultural da sua cronologia.
Na pré-história, o homem vivia da caça e pesca para sua sobrevivência, o que o levava ao sedentarismo, haja vista que não havia a necessidade de acumulação de bens.
Na Idade Antiga, o trabalho era escravo, não considerava a realização pessoal, e não havia qualquer direito trabalhista.
O sistema de escravidão dá passagem ao sistema servil, na Idade Média, pois a terra era concedida como servidão, sobre ela pagava-se imposto, e o trabalho era baseado na produção agrícola; nesse período, se destacavam os burgos [1], a Igreja Católica tinha influência direta sobre os conceitos sociais e considerava o trabalho como “castigo”.
No século XVI, surge o Calvinismo para se contrapor ao conceito religioso do trabalho como “pecado” e desenvolve uma ética de valorização ao trabalho, individualista, favorável ao lucro, onde o mesmo passa ser visto como “virtude”, surgindo os conceitos de vocação e predestinação.
No século XVIII, com o desenvolvimento da indústria, destaca-se a Revolução Industrial, na Inglaterra, em que se estabelecem direitos mínimos trabalhistas, em especial, em relação à jornada de trabalho e à obrigatoriedade de períodos de descanso; a organização dos trabalhadores passa a ser por corporação, uma forma autoritária e que não permitia a movimentação dos trabalhadores.
Em seguida, ocorre a Revolução Francesa que fortalece os princípios da liberdade e dignidade humana, impondo ao Estado a obrigação de subsidiar o trabalhador nas situações de desemprego.
No século XIX, temos a conquista da organização dos trabalhadores via sindicato, o estabelecimento do contrato de trabalho, a garantia do trabalho assalariado e o respeito aos direitos trabalhistas básicos.
A valorização do trabalho passa a ser de forma permanente, sobretudo por meio de Resoluções, Convenções e Declarações, muitas de cunho internacional. Neste contexto, vale destacar a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que menciona ser o trabalho um direito do homem, propiciando a livre escolha do emprego e a luta por uma remuneração justa e satisfatória, que possa lhe assegurar uma existência compatível com a dignidade humana e proteção social.
Assim, observa-se que o trabalho, através dos tempos, em termos materiais, humanos, planetários, esteve e está em permanente evolução para atingir os conceitos da necessidade de conceder uma vida digna, com justiça social, que proporcione felicidade e evolução moral. Isto vai ao encontro do que propõe a resposta à questão 674, de “O livro dos Espíritos”, onde, perguntados pelo Professor Rivail, as Inteligências Superiores afirmam que o trabalho é uma lei natural, uma necessidade do ser humano e deve proporcionar prazer, ou seja, que o trabalho deve ser entendido como fonte de realização, de satisfação pessoal, de alegria, de progresso individual.
O trabalho, assim, para contemplar os princípios da necessidade e do progresso individual não pode se submeter a nenhum pretexto de ordem econômica para se sobrepor à proteção da dignidade e da valorização do ser humano, posto que o desenvolvimento do homem depende da liberdade de sua capacitação, da sua formação educacional, do seu livre-pensar e da conquista e expressão de valores morais e éticos.
A opressão no trabalho, o desemprego, a baixa remuneração, a ausência de leis protecionistas ao trabalhador, geram um estado de frustração, de tristeza, de angústia, de castração, com grave prejuízo à evolução pessoal e com reflexo numa sociedade que pode se destacar por um desequilíbrio social perseguido pela perda de valores morais e éticos.
O ideário do trabalho pautado na justa remuneração para uma equidade social, valorizado nos princípios da dignidade humana, enobrece os valores morais e éticos são, portanto, a garantia para o estado do prazer ao alcance dos seus desejos, compreendendo os fatores reais para a evolução do homem e o consequente progresso civilizatório, nos exatos pressupostos colocados pelo mestre Kardec.
Isto, aliás, também se acha contemplado na canção de Gonzaguinha, “Um homem também chora”:
O homem se humilha
Se castram seus sonhos
Seu sonho é sua vida
E vida é seu trabalho.
Nota do ECK:
[1] Burgos – do latim “burgus”, simboliza em sua origem uma cidadela fortificada e autogovernada. Os burgos se desenvolveram a partir do processo de troca de produtos entre um feudo (propriedade, na forma de terras) e outro. Seus habitantes eram chamados “burgueses”, crescendo de modo a, no século XIX, formarem a burguesia (parcela da sociedade que detinha cidadania, da qual decorriam diversos privilégios sociais, políticos e econômicos.
OS TEXTOS DA EDIÇÃO
Em tudo é o mesmo suor, por Marcus Vinicius de Azevedo Braga
O Trabalho como fator de evolução, por Vítor Ronaldo Costa (in memoriam)
O homem sem Trabalho não pode evoluir, por Leopoldina Xavier
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