O Jugo Leve, a Televisão e o Jacaré, por Ricardo Sardinha

Tempo de leitura: 4 minutos

Vinde a mim, todos vós que estais aflitos e sobrecarregados, que eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei comigo que sou brando e humilde de coração e achareis repouso para vossas almas, pois é suave o meu jugo e leve o meu fardo. (S. MATEUS, 11:28 a 30.)

Era uma tarde de domingo em 1988 e a minha TV parou de funcionar. Era uma TV relativamente grande para os padrões da época, com aquele tubo de imagem imenso, e que ficava no alto, em um suporte chamado “giro visão”. Eu, com meus 24 anos, era muito magrinho e, ao tentar remover a mesma do suporte, a impressão que tive é que ela estava “grudada” nele, e não conseguia retirá-la de lá de jeito nenhum. Aí tive a ideia de pedir ajuda a um vizinho, cujo apelido era “Jacaré”. O sujeito era um verdadeiro “armário”, campeão sul-americano de judô e super gente boa. Bati na porta do apartamento dele e pedi sua ajuda. Chegando lá em casa ele retirou a TV do suporte com somente uma das mãos e me deu, falando ainda “segura aí”, e eu quase morri esmagado pela TV, caindo com ela sobre a minha cama.

Diante dessa situação pergunto: “A televisão é leve ou é pesada ?”

Objetivamente falando, a TV tem um peso determinado. Porém, se perguntarem para mim eu vou dizer que ela pesa mais que uma tonelada, se perguntarem para o Jacaré ele vai dizer que é “levinha”. Assim sendo, não é o peso da TV que vai determinar se ela é leve ou pesada, mas a capacidade de quem tenta levantá-la é que vai fazer a diferença.

Essa situação serve como um bom exemplo para os problemas e provas que enfrentamos no nosso dia a dia, eles serão leves ou pesados para nós dependendo do quanto formos capazes e fortes o suficiente para lidarmos com os mesmos. As dificuldades serão maiores ou menores dependendo do quanto estejamos preparados para enfrentá-las. Para poder segurar a TV com toda aquela facilidade, o meu amigo Jacaré teve que trabalhar e se preparar para que fosse capaz de fazer isso, com dedicação e suor, diferentemente de mim, nesse caso.

Em nossas vidas, em um mundo de provas e expiações, sabemos que teremos que lidar com a questão da morte (nossa ou de entes queridos) ou com adversidades da saúde, das questões afetivas, das dificuldades financeiras, dentre outras mazelas. Para que esses “pesos” se tornem mais leves devemos nos preparar adequadamente para lidar com eles.

A Doutrina Espírita, se bem compreendida e assimilada, nos oferece elementos para que estejamos mais preparados para lidar com essas questões. Não somente por trazer a informação de que a vida continua além da morte do corpo, o que por si só já seria suficiente para lidarmos com boa parte de nossas aflições, mas também para nos lembrar que tudo que nos ocorre tem um propósito educativo, que não somos vítimas, que somente a nós está reservada a responsabilidade, e o mérito, da construção da própria felicidade. Que somos hoje o produto de nossas decisões de ontem e que amanhã seremos o produto das decisões tomadas hoje.

A forma como enfrentamos esses desafios também faz diferença nos seus devidos “pesos”. Muitas vezes gostamos de supervalorizar determinados desafios, seja para provocar a comoção de quem está à nossa volta, seja para justificar determinadas atitudes (ou a falta delas) ou tentarmos justificar queixas sem sentido. Me lembro de uma pizzaria no bairro onde residi, em que o dono colocava as mesas ao ar livre, o que era até agradável à noite, porém, em um sábado chuvoso eu pedi a pizza pelo telefone e, ao chegar lá para buscá-la, o dono estava esbravejando por conta da chuva, reclamando do prejuízo naquela noite por falta de clientes. Nesse caso eu me atrevi a perguntar: “Desculpe, meu amigo, mas quando você decidiu por colocar as mesas dessa forma achou que nunca iria chover em um sábado à noite ?”.

Ter a consciência de que determinadas situações são inevitáveis nesse mundo, até mesmo coisas óbvias como chover de vez em quando, sentir calor no verão do Rio de Janeiro, frio no inverno de Santa Catarina, ter uma dor de cabeça, um resfriado, uma dor nas costas, dentre outros exemplos, deixando de se queixar, como se fossem provas destinadas só para nós, deixamos de dar às mesmas um peso que elas de fato não tem.

Além disso, uma outra abordagem se faz necessária para essa questão. Na obra “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, Allan Kardec nos apresenta uma interpretação para a referida fala de Jesus, relacionando a mesma com uma suposta promessa da vinda de um “Consolador Prometido”, que é uma questão controversa e que pode ser abordada em outra oportunidade. Eu, porém, me permito ter uma interpretação um pouco diferente com relação a mesma.

Quando Jesus se refere ao “meu jugo” e ao “meu fardo”, pode-se entender também que ele está se referindo ao, digamos, “custo”, para estar entre nós, considerando todas as dificuldades que enfrentou em sua vida material. Quando ele diz que todas essas dificuldades são um “jugo suave” e um “fardo leve”, ele nos mostra justamente que é, assim como o Jacaré e a TV, perfeitamente capaz de lidar com elas sem qualquer sofrimento. E no caso de um espírito como ele, que força é essa que faz com que ele os considere dessa forma, leves ? Eu ousaria apostar em uma palavra: AMOR. Mas um amor em um nível em que estamos ainda muito distantes de compreender, e que podemos ter uma primeira aproximação quando temos a oportunidade de vivenciar, por exemplo, a experiência da maternidade/paternidade. Nessa vivência (considerando um nível mínimo de normalidade, claro), passamos a ser capazes de reunir forças de onde nunca imaginaríamos encontrar, níveis de sacrifício que nunca imaginaríamos conseguir realizar. Qual de nós, pais e mães, hesitaria em dar a própria vida pelo seu filho ? Quando estamos junto às pessoas que amamos, qualquer esforço para agradá-los, protegê-los, vê-los felizes, é extremamente compensador.

Assim sendo, tenhamos sempre a consciência de que muitas vezes as “televisões no girovisão” vão se oferecer em nossa jornada. Que estejamos devidamente preparados, ampliando nossa capacidade de amar, vivendo nossas vidas com leveza, alegria e compaixão e tudo mais à nossa volta, por consequência, estará mais leve.

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

One thought on “O Jugo Leve, a Televisão e o Jacaré, por Ricardo Sardinha

  1. Gostei muito do texto. Alia a realidade ao evangelho em nossas vidas, com exemplos do cotidiano, conseguindo nos trazer a possibilidade de concretude das lições tu divino mestre Jesus.

    Assim, nos transporta para o nosso dia a dia, onde precisamos usar da sabedoria divina, vivenciada por Jesus, e explicitada pela doutrina espírita.

    O jugo é suave e o fardo é leve, na medida do nosso fortalecimento espiritual, através das experiências que somos convidados a viver, de acordo com o determinismo divino e nosso livre arbítrio.

    O amor torna, como diz o autor do texto, a jornada suave porque fortalece quem age com ele. Parabéns pelo Belo texto!

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