Walter Pérez
***
Os princípios e fundamentos espíritas mantêm sua indiscutível atualidade diante dos avanços tecnológicos, das descobertas científicas e das propostas de integração humanista e solidária de filosofias e religiões. No entanto, alguns pensamentos, procedimentos e concepções encontrados nas obras espíritas, por refletirem a visão pessoal de seus autores, encarnados ou desencarnados, precisam ser analisados, comparados e contextualizados.
***
O papel de Kardec.
Allan Kardec tem um papel ainda e, para sempre, muito importante no Espiritismo.
Requer nossa reflexão para que possamos compreender cada vez mais e melhor o papel que a Filosofia Espírita desempenha em nossos dias e como interpretaremos seus postulados e propostas diante da realidade que nos é apresentada nos tempos em que vivemos, acompanhados pelo progresso tecnológico e pelo avanço intelectual e moral que caracterizam este século.
Desde a fundação do Espiritismo, com a publicação de “O livro dos Espíritos”, em 18 de abril de 1857, e como uma clara expressão do pensamento lógico e racional de seu sistematizador, ficou registrado que:
“O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, consiste nas relações que podem ser estabelecidas com os Espíritos; como doutrina filosófica, abrange todas as consequências morais que decorrem de tais relações.”
Kardec e a Filosofia Espírita.
Dessa forma, respaldado pela experiência desenvolvida por Allan Kardec na classificação, avaliação e caracterização do fenômeno mediúnico como eixo principal e meio eficaz para desenvolver e precisar os princípios e as bases teóricas espíritas, a Filosofia Espírita é estabelecida como uma Doutrina de caráter científico, filosófico e moral.
A publicação sistemática e contínua de suas obras básicas e complementares permitiu que a difusão do ensinamento espírita aumentasse; nelas lemos:
“A força do Espiritismo reside em sua filosofia, no apelo que faz à razão e ao bom senso”;
“O Espiritismo, sob pena de suicídio, não pode fechar as portas a nenhum progresso”;
“O Espiritismo, avançando com o progresso, nunca será ultrapassado, pois se novas descobertas demonstrarem que ele está errado em algum ponto, ele se modificará nesse ponto e se uma nova verdade se revelar, ele a aceitará.”
A clara expressão do pensamento kardecista nessas linhas nos apresenta uma Doutrina Evolutiva e nos coloca diante de uma Filosofia aberta, dinâmica, racional, coerente e, acima de tudo, prática. Ela nos incentiva, como adeptos, a abraçar uma proposta de livre pensamento e humanismo, na qual, através de seu estudo contínuo e de uma compreensão profunda, resultado de reflexões demoradas e experimentações conscientes e sérias, somos conduzidos à identificação clara e lógica de nosso ser como Espíritos imortais. Estamos vinculados à reencarnação presente neste mundo como resultado de inúmeras jornadas evolutivas que já experimentamos e que constituem nossa situação atual. Somos Espíritos conscientes e responsáveis por todo esse acervo espiritual de acertos e erros, conquistas e fracassos que temos vivenciado e que são essenciais para nossa evolução, progresso e compreensão mais profunda de nossa verdadeira situação espiritual.
O nosso papel.
Assim, encontramos nas exortações kardecistas – que formam a base e o ponto de partida da Filosofia Espiritista – um excelente guia, um plano experimental e racional que pode facilitar muito nossa visão e compreensão consciente das grandes Verdades Universais.
No entanto, é necessário, para preservar e atualizar o entendimento do “Legado Kardeciano”, a contextualização de cada um de seus conceitos, pontos de vista e ideias fundamentais. Esses princípios derivam dos fundamentos científicos, filosóficos e éticos que caracterizaram a segunda metade do século XIX na França.
O conjunto dos ensinamentos espíritas, bem como a precisa exposição de seus princípios e fundamentos, mantém sua indiscutível atualidade diante dos avanços tecnológicos, das descobertas científicas e das propostas de integração humanista e solidária de filosofias e religiões. No entanto, alguns pensamentos, procedimentos e concepções encontrados nas obras espíritas também refletem a visão pessoal e os pontos de vista expressos por seu fundador e pelos Espíritos desencarnados que o assessoraram em seu trabalho. Esses aspectos precisam ser valorizados, analisados, comparados e contextualizados, seguindo a própria exortação do Espiritismo, em benefício da própria Doutrina Espírita. Isso garante que ela continue sendo a expressão clara, lógica e racional dos princípios e postulados que se baseiam na manifestação objetiva e real das Leis Naturais, que regulam o funcionamento do Universo e a estabilidade de nossas individualidades.
É dever de todo estudioso espírita, de todo adepto comprometido com a fidelidade e preservação da Filosofia Espírita, adotar uma postura aberta, dialética, livre de dogmas e preconceitos, afastada de posições sectárias e movimentos radicais paralelos em seus pensamentos e concepções. Isso permite o estudo, a promoção e a divulgação das doutrinas espíritas conforme foram manifestadas em suas obras fundacionais, mas de acordo com a necessária evolução e atualização conceitual e na linguagem expressiva da Doutrina, que os tempos atuais demandam. Dessa forma, a Doutrina fica livre de ambiguidades e interpretações prejudiciais que poderiam afetar sua interpretação adequada e sua disseminação indispensável.
O pensamento do fundador do Espiritismo deve ser exposto exatamente como foi expresso, refletido, estudado, analisado, valorizado e adaptado aos tempos atuais, pois, dada a inegável atualidade desse pensamento, requer um estudo mais aprofundado e assimilação por parte dos adeptos espíritas. Deve ser considerado como uma orientação para a introdução ao conhecimento da Ciência Espírita, buscando aprofundamentos, mas nunca como a expressão de verdades definitivas ou revelações inquestionáveis.
A garantia para a preservação do Pensamento Espírita para as novas gerações está em nossas mãos e depende em grande parte da atitude que cada um de nós assume em relação a ele, com responsabilidade individual.
Nota do ECK:
[1] Artigo submetido pelo autor, integrante do Centro de Estudios Espiritas Allan Kardec (CEEAK), de Cuba e publicado no blog do “Grupo de Estudos O Legado de Allan Kardec”.
Imagem gerada por AI de omar sahel por Pixabay
Edição: Abril 2025
Para que estudamos e dialogamos sobre o Espiritismo?, por Dirce Carvalho Leite
O cerne da questão dos sofrimentos futuros, por Wilson Garcia
Romances Espiritas para “explicar a história”: qual a utilidade disso?, por Henri Netto
“Star Trek” e a Pluralidade dos Mundos: Uma Jornada Além do Espaço, por Wilson Custódio Filho