Marcus Vinicius de Azevedo Braga
Na foto, Ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida (José Cruz, Agência Brasil)
Todos somos Espíritos em evolução, criados pelo mesmo Pai e se alternando na roda das reencarnações. Estamos, aqui, hoje, colhendo e resgatando as vergonhas de outras eras, como foi o período da escravidão, tão intenso na “terra brasilis”, e que até hoje nos deixa marcas profundas.
Permitam-me iniciar este texto árido, porém necessário, com um relato pessoal do mesmo naipe. Afinal, as palavras convencem, mas os exemplos arrastam. Em um dos episódios mais sombrios do período recente, a manifestação de extrema direita “Unite the Right”, ocorrida na cidade de Charlottesville, no estado da Virgínia (EUA) em 2017, destacou-se na transmissão pela televisão em jornal noturno – dentre as inúmeras faixas, símbolos e trajes –, um cartaz que passou de relance, mas que não pude deixar de ler e guardar na memória, que ostentava uma inscrição no sentido de “morte aos fracos”, ou qualquer coisa nesse sentido, em uma tradução livre [1].
Cartazes de manifestações públicas são expressões de pensamentos reprimidos, catarses, como portas de sanitários escolares ou salas virtuais anônimas. E ali, naquela manifestação de autointitulados supremacistas, mas que continham diversas tribos ideológicas, esse singelo cartaz sintetizava uma visão que, espantosamente, ainda ilustra faixas, falas, posts e atitudes mundo afora: a de que existem seres humanos que são menos dignos do que nós, simplesmente pela sua cor de pele, pela sua renda, pela sua crença, por terem alguma deficiência, pela sua orientação sexual ou, ainda, por terem alguma característica que os enquadre como pertencentes a um grupo minoritário.
Procurei descrever esse cenário abjeto e as manifestações ali contidas de forma comedida, para que as nossas reflexões se façam da melhor maneira, dada a relevância do tema no momento atual da humanidade. A verdade é que esse início de Século XXI, tão florescido por ideias de respeito à diversidade das pessoas, de solidariedade entre os indivíduos e de amplas iniciativas de inclusão e de redução das desigualdades em seus mais diversos aspectos, presenciou também o renascimento, a olhos vistos, da semente vil de “ismos” adormecidos, isto é, visões pautadas no ódio, na opressão, na segregação e no preconceito.
O ideal de uma sociedade plural que se popularizou na esteira da chamada globalização, no final do Século XX, esbarrou rapidamente em uma sociedade de pessoas reféns do medo e do ódio, envoltas em armadilhas de fanatismo e que encontraram seu canto supostamente seguro no cantar das sereias de movimentos totalitários que indicavam como inimigos exatamente aqueles grupos da nossa sociedade que sempre foram marginalizados, ofendidos e humilhados, em uma contraditória visão de que o mal da sociedade estaria naqueles que sempre nela sofreram.
Eis alguns dos fenômenos políticos e sociais que desaguam no cotidiano da vida de todos nós e que nos levam à reflexão sobre isso tudo à luz da Doutrina Espírita, que nos ensina sermos todos Espíritos em evolução, criados pelo mesmo Pai e se alternando na roda das reencarnações. E, em termos de grupos sociais, na lógica reencarnacionista, não somos – apenas estamos colhendo e resgatando as vergonhas de outras eras, como foi o período da escravidão, tão intenso na terra brasilis, e que até hoje nos deixa marcas profundas.
Destaca-se, então, a ideia-tema desse texto: a do valor de todos. Não só para romper a invisibilidade de certos grupos marginalizados, mas para combater um aspecto mais danoso que ressurge, de ódio em relação a esses grupos. Ilustra bem esse sentimento o trecho do discurso de posse do ministro dos Direitos Humanos, o advogado e escritor renomado Silvio Almeida, em 3 de janeiro último, e que teve grande repercussão na imprensa:
Trabalhadoras e trabalhadores do Brasil, vocês existem e são valiosos para nós.
Mulheres do Brasil, vocês existem e são valiosas para nós.
Homens e mulheres pretos e pretas do Brasil, vocês existem e são valiosos para nós.
Povos indígenas deste país, vocês existem e são valiosos para nós.
Pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais, travestis, intersexo e não binárias, vocês existem e são valiosas para nós.
Pessoas em situação de rua, vocês existem e são valiosas para nós.
Pessoas com deficiência, pessoas idosas, anistiados e filhos de anistiados, vítimas de violência, vítimas da fome e da falta de moradia, pessoas que sofrem com a falta de /acesso à saúde, companheiras empregadas domésticas, todos e todas que sofrem com a falta de transporte, todos e todas que têm seus direitos violados, vocês existem e são valiosos para nós. Com esse compromisso, quero ser Ministro de um país que ponha a vida e a dignidade humana em primeiro lugar.
Sintetizou o titular da pasta relacionada aos direitos humanos a essência desse sentimento de solidariedade, de não só ver esse próximo, mas de valorizá-lo com medidas concretas. E se atendo à natureza desse texto, esta é, inclusive, a essência do pensamento cristão: a de amar ao próximo como a si mesmo, ou a do pastor que volta para buscar uma única ovelha perdida. Tudo na vida e na mensagem de Jesus enxerga e valoriza essas pessoas, erroneamente marginalizadas pela sociedade. Basta ver o que Jesus respondeu quando lhe perguntaram quem seria o tal “próximo”.
Encarnamos nesse planeta em uma família, em um bairro, em uma cidade, em um país, como filhos de uma mesma coletividade, com direitos e deveres na proteção de cada irmão que conosco divide essa viagem terrestre. Todos somos uma única sociedade e o egoísmo e o ódio são sempre os mesmos, ainda que se apresentem com outras roupagens ideológicas mais rebuscadas. Como espíritas, que sejamos os que levantam o cartaz “Somos todos irmãos”. Até porque fracos somos todos nós, e a opressão acaba por ser uma forma de nos escondermos de nossa própria fraqueza.
Notas do Autor:
[1] WIKIPÉDIA. Manifestação Unite the Right. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Manifestação_Unite_the_Right>. Acesso em 4. Jan. 2023.
[2] CONGRESSO EM FOCO. Direitos Humanos. “Vocês existem e são valiosos para nós”: leia a íntegra do discurso de Silvio Almeida. Disponível em <https:// congressoemfoco.uol.com.br/area/governo/leia-a-integra-do-discurso-de-silvio-almeida-somos-a-vitoria-dos-nossos-antepassados/>. Acesso em 4. Jan. 2023.