Para que estudamos e dialogamos sobre o Espiritismo?, por Dirce Carvalho Leite

Tempo de leitura: 5 minutos

Dirce Carvalho Leite

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E a tua síntese para o estudo espírita em tua vida, qual seria? Quais ecos, consequências, propósitos e ações seriam criadas a partir desse estudo?

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Introdução.

Todos nós já fizemos essa pergunta? Muitas causas e objetivos poderíamos elencar a partir das respostas a essa questão. Um inventário das horas gerais que dedicamos a esse estudo surpreender-nos-ia, por certo, pelo expressivo número delas a envolver-nos por inteiro, sacrificando muitas vezes demandas da vida cotidiana, especialmente aquelas próprias do convívio familiar… 

Pois é, estudar para realmente usufruir deste ato é sair da superfície do que é aparente e raso. É mergulhar, disciplinadamente, no conhecimento colocado à nossa disposição, não para simplesmente repeti-lo, mas para torná-lo efetivamente nosso pela meditação e absorção fecunda, pela reflexão, pela ponderação e análise de cada ideia nele contida, através da construção da real interlocução entre a teoria apresentada e a nossa forma – sempre única e singular – de absorvê-la. Estudar, por isso, exige envolvimento profundo, ações que, simbolicamente, nos transformam em atletas da busca intelectual, pois só isso, realmente, dá-nos um estudo transformador de nós mesmos.

Por que estudar o Espiritismo é importante? Por muitas razões, mas para mim é, essencialmente, porque este estudo traz consigo a potência da autotransformação e a eficácia do autoconhecimento, sem o que nossa vida perde muitíssimo em significado de felicidade e de utilidade no mundo em que vivemos. A autotransformação para enobrecer-nos e fazer-nos melhores, aliada obrigatoriamente ao autoconhecimento, só prospera no ambiente interior do desejo e da necessidade pessoal, que, por sua vez, farão criarmos o tempo e as estratégias para persegui-los e, quem sabe, atingi-los.

A autotransformação, consequência do autoconhecimento, é o fruto saboroso e realizador do estudo do Espiritismo, aliado à meditação, à reflexão crítica e à ponderação, etapas essenciais que precedem o ato de agir, ponderação esta que tende a criar sabedoria, pois o domínio desse estudo não é suficiente para criá-la.

A prática metódica de estudar vai criando habilidades mentais importantes como a efetiva observação, a discriminação de diferenças ou de aproximações de ideias, a percepção das distinções entre o pensamento que se estuda e todo o conhecimento que foi construído depois dele, alterando enfoques e alargando compreensões. Além disso, como ler e estudar sobre um determinado conhecimento, aqui o campo teórico do Espiritismo, só será produtivo se compreendermos as características culturais do tempo histórico em que ele foi construído, pois estudar de fato exige o que chamamos de contextualização. Ela pede e cria a habilidade mental da compreensão livre de verdades fechadas transformadas em dogmas, que ignora condicionantes e limitações e que produz a mentalidade ingênua e a fé em ideias superadas pelo conhecimento novo, trazido por evidências e pesquisas da ciência, fé que, no estudo consistente, será sempre raciocinada, como dizia Kardec. Essa contextualização fará alcançarmos o estudo e entendimento sobre o valor de uma ideia no tempo presente, ainda, ou da necessidade de fazê-la progredir e de se atualizar para, então, responder aos anseios do homem e do mundo contemporâneo. Estudar, fazendo isso, “é ser fiel a Kardec que acreditava no Espiritismo progressivo, caminhando ao lado da ciência e servindo-se de suas contribuições”, no dizer de Luiz Signates.

Estudo e diálogo: o porquê.

Voltemos à pergunta inicial: por que estudamos e dialogamos sobre o Espiritismo? Com certeza porque estamos contagiados por esta consistente e linda filosofia e porque estamos afinizados com esse campo de conhecimento, fundado por Allan Kardec há 168 anos atrás. Mais ainda, porque estamos convictos do valor de seus princípios fundamentais e de sua atualidade, pois respondem com racionalidade e consistência às nossas buscas de transcendência humana e de finalidades existenciais de hoje. Também, porque o arcabouço moral do Espiritismo fundado na ética que lhe é própria, estimula o desenvolvimento da consciência que almeja crescer e contribuir na transformação do mundo em que vivemos, porque é apelo e convite que nos dignifica como indivíduos, qualificando a vida que temos e porque abre a possibilidade de construirmos plenitude e felicidade, não apenas numa perspectiva pessoal, mas como valor universal e direito coletivo, a ser adotado e exercido pelo espírita.

Estudamos e dialogamos sobre o Espiritismo porque toda sua filosofia está direcionada à importância do desenvolvimento da consciência humana para o surgimento de Espíritos maduros, acordados para as realidades sociais injustas, porque ausentes de igualdade de oportunidade em tudo e para todos; porque o pensamento espírita devolve-nos um protagonismo na melhoria do mundo em que vivemos, como potência e responsabilidade pessoal no uso útil de nossa liberdade em favor do coletivo.

Ao estudar o Espiritismo e aprofundar a sua compreensão, abandonamos a concepção infantil, ingênua e sobretudo equivocada de que a conexão com Deus se faz unicamente nos templos, nos rituais religiosos no cumprimento de fórmulas e dogmas, na obediência aos ditames de igrejas. No Espiritismo, percebemos que só há um caminho efetivo para a conexão buscada com o “Divino”: a solidariedade e a  fraternidade para com todos, indistintamente. Kardec já nos dizia: “Fora da caridade não há salvação”, em contraponto ao ditame da Igreja: “Fora da Igreja não há salvação”. 

Na evolução do Pensamento Espírita, a caridade, hoje, assume o sentido de justiça social a ser um objetivo de todo espírita. Justiça que signifique o gozo dos direitos humanos fundamentais: educação, moradia, saúde, cultura, lazer, bem-estar, dignidade de vida etc., não realizado como “caridade”, mas como acesso e permanência neles, como um direito individual e coletivo que abre oportunidades de conquista pessoal desses direitos básicos, para cada ser humano. Inserirmo-nos nessa luta, deliberada e persistentemente, é proposta da Filosofia Espírita. Estudamos e dialogamos sobre o Espiritismo para descobrir e aderir a essa filosofia espiritualista profundamente humanista porque confere ao ser humano um valor extraordinário como artífice de sua evolução intelectual e moral, sempre associada a um viver impregnado de responsabilidade no destino coletivo.

Kardec legou-nos uma filosofia com consequências morais solidárias, vivenciadas na luta e na prática da justiça social e na liberdade de escolhas. Para tanto, o Espiritismo é, então, uma filosofia, um pensamento dinâmico que fala ao homem de hoje, na complexidade do mundo contemporâneo, que exige indivíduos com autonomia de pensamento e ação para construir pertencimento no ambiente em que vive, transformando deveres em virtudes, que se expressam no modo de viver consciente e naturalmente espontâneo moralmente, alimentado pelo estudo, reflexão e pelo exercício da ética.

Estudamos e dialogamos sobre Espiritismo para vencermos a indiferença, a omissão e a submissão a todos os indicadores de uma espiritualidade infantilizada, que ainda resida em nós e para, em seu lugar, criarmos espiritualidade madura, produtora de felicidade, libertadora de nós mesmos e possibilitadora da plenitude que podemos alcançar no aqui e agora.

Concluindo…

A título de conclusão, trago a fala do espírita Cláudio di Mauro, integrante da CEPABrasil (Associação Brasileira de Delegados e Amigos da Confederação Espírita Pan-americana), feita no dia do seu aniversário: 

“[…] E peço a Deus que todas as dores e sofrimentos da Natureza, nela incluída a humanidade, nunca me sejam indiferentes. […] Que eu acorde após cada sonho, com a disposição de colaborar com os objetivos Divinos de construir o reino de Deus para tudo e para todos […].”

Bela e consciente resposta à pergunta inicial que aqui fizemos! Perfeita síntese para definir objetivos do estudo sobre o Espiritismo. Pura sabedoria, porque anseio e intenção de envolvimento e de trabalho pessoal para colocar os ensinos espíritas na prática diária!

E a tua síntese para este estudo espírita em tua vida, qual seria? Quais ecos, consequências, propósitos e ações seriam criadas a partir desse estudo?

Convido-te a refletir…

Fontes:

[1] “O livro dos Espíritos”, Allan Kardec.

[2] “O Espiritismo hoje: breve introdução”, Marcio Sales Saraiva.

[3] “Fundamentos para uma Teoria Social Espírita”, Luiz Signates.

Imagem de 愚木混株 Cdd20 por Pixabay


Edição: Abril 2025

 

Editorial: Somente um ponto de partida: os livros resistem, por Manoel Fernandes Neto e Nelson Santos

Mediunidade Decolonial: por uma mediunidade autônoma e crítica, por Lindemberg Castro, Heloísa Canali, Fábio Diório, Ruth Barros, Raimundo Filho e Eduardo Silveira [1]

Para que estudamos e dialogamos sobre o Espiritismo?, por Dirce Carvalho Leite

O Pensamento de Kardec nos dias atuais, por Walter Pérez

O cerne da questão dos sofrimentos futuros, por Wilson Garcia

Romances Espiritas para “explicar a história”: qual a utilidade disso?, por Henri Netto

“Star Trek” e a Pluralidade dos Mundos: Uma Jornada Além do Espaço, por Wilson Custódio Filho

Um singelo quadro na parede, por Marcelo Henrique

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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