Marcelo Henrique
Não há segmento ideológico e social (como o espírita), nem povo nem nação que sejam, sozinhos, capazes de enfrentar os grandes e graves problemas da atualidade planetária (guerras, fome, epidemias, pobreza, desrespeitos a direitos humanos, drogas, destruição do meio ambiente, criminalidade, racismo, fundamentalismo e nacionalismo extremado). É imperioso que os espíritas dialoguem com diversos movimentos sociais, estejam atento às ações existentes em todas as partes do mundo e se consorciem a iniciativas em andamento de combate às injustiças e reafirmação de direitos, como cidadãos engajados, para depurar os mecanismos políticos, as instituições e as próprias leis, dentro do que Kardec anteviu, com homens e nações governados por indivíduos de elevada intelectualidade e moralidade.
Introdução
O senso e o desejo de justiça representam matizes fundamentais do ser humano e das sociedades na atualidade. O conceito de justiça ladeia o de injustiça, representados por atos humanos e suas conseqüências. Os atos injustos são repelidos pelos indivíduos e puníveis de acordo com a legislação dos povos. A conceituação do “justo x injusto” não pode ser uma decorrência da análise pessoal, variável em função tanto das percepções da atual existência, como do conjunto de encarnações do Espírito e a bagagem de conhecimento e progresso que possui. A maior ou menor consciência da Justiça permite um leque amplo de situações que podem ser, por uns, consideradas injustas, enquanto para outros, seriam de real justiça.
A ideia de completude de Justiça, portanto, só pode ser aquela que deriva da própria gestão do Universo, não por pertencer a um Ser Supremo “que tudo vê e sabe”, no adágio popular e, “segundo Sua vontade”, mas porque concebeu, Ele, um sistema jurídico (espiritual) incorruptível, absoluto e soberanamente perfeito, justo e bom, aplicável a todos os atos e a todos os seres da Criação. Para o Espiritismo, a visão de Justiça possui características fundamentais: 1) abrangência universal; 2) imaterialidade na execução; 3) poder total de sanção; 4) perfeição na administração de penas e gozos; 5) instância única e absoluta de apreciação judicial; e, 6) eficiência na reeducação do infrator.
Eis porque o Espiritismo, como doutrina filosófico-científica com conseqüências morais, concebe uma ética espírita baseada nos valores de solidariedade, fraternidade e Justiça Social. É o que veremos neste ensaio.
A realidade do Século XXI e o conceito de Justiça Social
Os tempos atuais são marcados por carências materiais e espirituais, que dão o tom das relações humanas: carência de razão, de autoconhecimento, de conhecimento sobre as leis universais, de sentimentos, de amor e as várias carências materiais. Injustiças, decorrentes das duas maiores chagas humanas, o egoísmo e o orgulho, tendo como pano de fundo as desigualdades sociais, marca da sociedade terrena.
Justiça Social é o compromisso do Estado e das instituições não governamentais, mas também dos indivíduos que se engajam em dados movimentos, na busca de mecanismos para compensar as desigualdades sociais. Igualdade, para o Direito consiste em “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”, não havendo, pois, igualdade absoluta. Como os indivíduos não são iguais, dadas as distintas capacidades físicas e intelectuais, a norma jurídica traça a igualdade legal (equidade) e, nos casos de hipossuficiência, busca uma igualdade artificial, com um plus que lhes iguale. Quando a lei, por exemplo, dá preferência a pessoas com necessidade especial ou em função da idade, há um nivelador de equidade e uma regra de Justiça Social, na prática.
A Justiça Social tem por princípios: a) garantia de direitos e liberdades fundamentais para todos; b) defesa da igualdade de oportunidades para cada um; e, c) estabelecimento de desigualdades (legais) para compensar eventuais situações desfavoráveis de uns em relação aos outros. O conceito apareceu em meados do século XIX, para assegurar uma distribuição equitativa dos bens sociais, com os direitos humanos respeitados e fornecendo às classes sociais mais vulneráveis oportunidades reais de desenvolvimento.
Uma Sociedade justa deve amenizar as desigualdades sociais, permitindo o exercício de direitos básicos (dignidade humana, educação, saúde, trabalho, moradia, acesso à justiça, etc.), por políticas públicas e não pelo mero assistencialismo e clientelismo, com a transparência de ações governamentais, quanto aos recursos empregados e ações realizadas. É essencial a igualdade (e Justiça Social) quanto às distintas configurações (raça, gênero, orientação sexual, crenças, entre outras), com políticas protetivas e de salvaguarda desses direitos, inclusive pela ampla participação de representantes de todos os segmentos em ações públicas.
O Espiritismo e a Justiça Social
Como a Doutrina dos Espíritos define a Justiça Social? Na questão 132, de “O livro dos espíritos”, estão os objetivos da encarnação: promover o próprio aperfeiçoamento e fazer “a sua parte na obra da criação”, valores-compromissos para a promoção da dignidade do homem e construindo um mundo melhor, mais fraterno, mais solidário e mais justo.
A Justiça Social é encontrada na Codificação Espírita. No aspecto negativo, tratando de injustiças e limitações da Sociedade (“O livro dos espíritos”, itens 707, 717, 795, 806a, 807, 808, 885 e 931; “O evangelho segundo o espiritismo”, Cap. XVI, Item 8; “Obras Póstumas”, em “O egoísmo e o orgulho” e “Precursores da Tempestade”). No positivo, prescrevendo um estado futuro (“O livro dos espíritos”, itens 793, 885 e 930; “O evangelho segundo o espiritismo”, Cap. III, Item 17, Cap. XI, Item 9 e Cap. XXV, Item 8; “A Gênese”, Cap. XVIII, item 17; “Obras Póstumas”, em “Questões e problemas” e “As Aristocracias”). E no subjetivo em face da conduta dos encarnados ou desencarnados (“O livro dos espíritos”, itens 873 e 876).
Seu núcleo essencial é a palavra NECESSÁRIO, sob os escopos material e espiritual. Uma Sociedade regida pela Justiça Social deve garantir a TODOS os seus membros as condições (oportunidades) para a obtenção do NECESSÁRIO, com o desenvolvimento individual – espiritual, intelectual e moral (vide item 793, do livro primeiro). Com a Sociedade em permanente transformação, tal conceito não é imutável nem estável, possuindo historicidade (de cada época e de conteúdos variáveis, em função de leis e de costumes), num contínuo devir. Por ser dinâmico e versátil, vai continuamente se depurando, permitindo aos seres e às Sociedades, galgarem valores mais elevados, em termos de necessidades: 1) vitais; 2) úteis; 3) intelectuais; 4) estéticas; 5) éticas; e, 6) espirituais.
A proposta espírita de Justiça Social é dialógica entre todos os atores sociais, conhecendo dificuldades e problemas e buscando superá-los. É humanista, porque o homem é o agente e o objeto de todos os esforços e iniciativas em favor do progresso e da justiça. É livre-pensadora, despida de preconceitos e dogmas, que particularizam entendimentos, referenciando a busca pela erradicação das injustiças. Os espíritas podem e devem influenciar os não-espíritas, sem prosélitos, materializando as mudanças sociais, a partir da noção de justiça dada pela reencarnação, com o dever de cada indivíduo auxiliar o semelhante e eliminar diferenças existentes. Com a indignação e a solidariedade, devem engajar-se em movimentos voltados à superação deste perverso modelo social, substituindo-o por um melhor e mais ajustado aos reais propósitos da encarnação neste orbe.
Pela “Revolução Espírita”, as bases do comportamento humano são reconstruídas, a partir dos princípios éticos, visando a revisão completa dos princípios jurídicos, econômicos e sociais, para concretizar uma Justiça Social material, da qual advirá a futura Justiça Social Espiritual.
Conclusão
A Sede de Justiça Social está em nós, permanentemente. O Espiritismo almeja sua permanência entre homens e sociedades, porque se aproxima das noções espirituais, sendo essencialmente progressista, apregoando a evolução do homem e a do mundo. As leis humanas, imperfeitas e instáveis precisam ser alteradas para possibilitar o alcance da efetiva Justiça Social.
Mas, não há segmento ideológico e social (como o espírita), nem povo nem nação que sejam, sozinhos, capazes de enfrentar os grandes e graves problemas da atualidade planetária (guerras, fome, epidemias, pobreza, desrespeitos a direitos humanos, drogas, destruição do meio ambiente, criminalidade, racismo, fundamentalismo e nacionalismo extremado). É imperioso que os espíritas dialoguem com diversos movimentos sociais, estejam atento às ações existentes em todas as partes do mundo e se consorciem a iniciativas em andamento de combate às injustiças e reafirmação de direitos, como cidadãos engajados, para depurar os mecanismos políticos, as instituições e as próprias leis, dentro do que Kardec anteviu, com homens e nações governados por indivíduos de elevada intelectualidade e moralidade (“Obras Póstumas”, “As aristocracias”).
Ao darmos atenção às intuições e sugestões espirituais, por afinidade de pensamentos, iremos projetar as ações organizadas e políticas junto a movimentos, organizações e instituições. A tarefa de “mudar o mundo”, portanto, não pertence aos desencarnados, mas aos que encarnam neste Planeta para, também, contribuir com o seu adiantamento, criando, mantendo e aperfeiçoando mecanismos e ferramentas de inclusão, acolhimento, proteção e promoção de todos os seres nela inseridos. Teoricamente, então, estamos prontos, suficientemente embasados e motivados para a implantação da Justiça Social na Terra. O que nos falta, então, na prática?