Religião, Humanismo e Espiritualidade, por Milton Medran Moreira

Tempo de leitura: 3 minutos

Milton Medran Moreira

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“ A religião é causa de divisões. A espiritualidade é causa de união. ”

Padre Teilhard de Chardin.

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Por séculos, a religião dominante no Ocidente proclamou-se detentora de toda a verdade. Essa postura, aliás, não foi apenas sua. Religiões e ideologias, ao curso da História, reivindicaram a condição de detentoras exclusivas da verdade.

Com a Igreja Romana, entretanto, mais do que a assunção dessa postura, ocorreu de – em nome da presumível verdade eterna de que se proclamava detentora – investir-se, também, da prerrogativa de julgar e punir, inclusive com a morte, quem eventualmente se posicionasse contra qualquer um de seus dogmas. O poder civil, usurpado da sociedade, sua natural titular, aliado à presunção de estar investida pelo próprio Deus do direito de punir quem a contrariasse, levou a Igreja a uma sucessão hedionda de crimes contra a humanidade.

Esse estágio da história do Ocidente foi, teoricamente, superado pelo Iluminismo que recolocou o homem, com suas virtudes e suas imperfeições, e não a fé no transcendente, como a medida de todas as coisas.

Mesmo, entretanto, havendo a Modernidade deslocado do poder eclesiástico para o civil a gestão política de povos e nações, antes escravos do fideísmo religioso, as religiões cristãs, não apenas a romana, mas, igualmente, as milhares de outras que dela se originaram, por força do Cisma e da Reforma, de uma maneira geral, preservaram a convicção de que, cada uma delas, detinha a verdade eterna e imutável. E que isso lhes outorgava o direito e a obrigação de propagá-la e, mais que isso, impô-la. Prerrogativa, aliás, que se sobreporia a qualquer outro direito alheio. Legitimava-se, com isso, a ditadura da fé.

Teríamos superado esse entendimento? Não, de um todo. Persiste, em muitas sociedades, a convicção de que a fé, por envolver o sagrado e ser o elo de ligação do ser humano com a divindade, suplanta todo e qualquer outro direito. Felizmente, no entanto, é justamente no seio da mais antiga das religiões cristãs que viceja hoje um sentimento de humanismo capaz de se sobrepor às crenças particulares, em nome da fraternidade universal.

Há cerca de dois anos, em abril de 2022, o Papa Francisco, em memorável discurso pronunciado na República de Malta, a uma multidão composta de pessoas de religiões diversas, assim se expressou:

“Na realidade, quem julga defender a fé apontando o dedo contra o outro, até pode possuir uma visão religiosa, mas não adota o espírito do Evangelho, porque esquece a misericórdia, que é o coração de Deus”.

Não é a fé, mas a nossa condição humana, o fator a nos irmanar e a nos impelir ao amor e à solidariedade.

Pode-se claramente ver nestas palavras do chefe da Igreja Católica a distinção primordial entre religião e espiritualidade. Se a religião, por natureza, preserva artigos de fé tornados irremovíveis – e todas assim pensam relativamente a seus dogmas – a espiritualidade, por outro lado, presente, seja nos evangelhos, seja em muitas outras vertentes do pensamento espiritualista, prioriza o amor, a solidariedade, o serviço em prol do outro e da sociedade, independentemente das crenças de cada um. Não é a fé, mas a nossa condição humana, o fator a nos irmanar e a nos impelir ao amor e à solidariedade.

Os que defendem, intransigente e intolerantemente, a fé, são autenticamente religiosos e, não raro, na História, foram premiados com o galardão de santos. Faltou-lhes, no entanto, cultivar a espiritualidade, cujos fundamentos estão alicerçados na própria consciência humana: no Espírito, pois, e não em tratados teológicos.

Bom que isso seja reconhecido pela religião, pelo menos em uma, a de maior tradição entre nós! Esse sentimento pode mudar a História. Pode conduzir a religião à busca de mais amplos e abertos caminhos da espiritualidade. Espiritualidade que está presente, muito antes do que nas religiões, na consciência do Espírito imortal.

Um dos grandes desafios do mundo continua sendo o de debelar completamente as graves contradições que persistem entre religião e humanismo.

Cumpre-nos, sim, superar essa contradição, contribuindo com a harmonia plena entre espiritualidade e humanismo. Se disso for capaz, um dia, a humanidade, as religiões se hão de tornar obsoletas e desnecessárias.

Imagem de Susan Cipriano por Pixabay 

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

2 thoughts on “Religião, Humanismo e Espiritualidade, por Milton Medran Moreira

  1. Nesse dia em que as religiões se tornarem obsoletas, então o Mundo viverá em Paz. Profundo e filosófico este texto. Parabéns ao autor.

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