Marcelo Henrique
Ouço muitos dizerem que Jesus é (ou foi) cristão. O que é ser cristão? O que significa ser ou não ser cristão? Jesus seria cristão?
Inicialmente, é preciso voltar no tempo… Buscar os poucos registros – religiosos, é claro – que existem acerca daquele homem que teria vivido na Galileia, há pouco mais de 2.000 anos. E, como somos espíritas, além dos textos religiosos, dos evangelhos reconhecidos pela Igreja Católica, chamados canônicos, iremos nos basear nas informações que constam dos livros publicados por Allan Kardec, a respeito de tão ilustre personagem. Vale dizer que estes evangelhos são os que, dentre muitos, foram, em número de quatro, reconhecidos como “oficiais”, apesar de escritos tempos depois da estada física daquele Pensador entre nós e, pasmem, sem que nenhum dos quatro evangelistas ter convivido próxima ou diretamente com o mesmo.
Sabidamente, a contagem do tempo em nosso planeta está baseada em antes e depois do seu nascimento, ainda que não haja precisão acerca da data real em que ele reencarnou. O personagem, assim, é tão importante que, para os que adotam o calendário Gregoriano (promulgado pelo Papa Gregório XIII, em fevereiro de 1582), ele divide a História da Humanidade (neste planeta). Jesus de Nazaré era judeu e foi educado segundo tais princípios religiosos e culturais, como, aliás, fica patente nos relatos dos evangelhos canônicos. Era, portanto, um praticante da religião judaica e, portanto, se tivéssemos que adjetivá-lo, diríamos sem pestanejar: Jesus era judeu.
Como bem flagrantes em suas prédicas, parábolas e atos de vida pública – isto é, entre 30 e 33 anos de idade, assim como na célebre passagem bíblica de sua estada no Templo com os sacerdotes, na puberdade – Jesus jamais veio fundar qualquer religião. Em suas palavras: “Eu não vim destruir a lei, mas dar-lhe cumprimento”. Esta passagem é reconhecida em relação ao testemunho de Jesus acerca da efetividade da Lei Divina que o Espiritismo consagra, em sua filosofia, como as Dez Leis Morais, que estão expressas na terceira parte da obra inicial, “O livro dos espíritos”. Em outra passagem, também correlacionada à aplicabilidade das Leis Universais, Jesus sentencia: “A César, imperador romano, o que é de César; a Deus, o que é de Deus”, representando, assim, a confirmação da necessidade de separação entre as coisas espirituais e as políticas, mundanas.
Mas e o Cristianismo? E a Igreja Católica Apostólica Romana? E as demais igrejas ou religiões, instituídas a partir dos ensinamentos e feitos humanos daquele Carpinteiro? Como ficamos?
Cristianismo é um movimento social e filosófico-religioso, hoje multifacetado, composto pelas “n” religiões ou igrejas que se afirmam “cristãs”, isto é, dizem seguir os “passos” e os “ensinos” do Pescador de Homens. Tais repetem máximas ou parábolas, explicam (de modo sobrenatural, apenas) os fatos da vida daquele Rabi e adotam muitas práticas que estão presentes nos relatos dos citados evangelhos canônicos. Referidas religiões ou seitas, ditas cristãs, guardam simetria ou sinergia entre si, em face de conceitos e até práticas, embora se possa, também, elencar diferenças substantivas quanto a determinadas ações, regras, mandamentos, sacramentos, etc. Não é nosso objetivo tratar deste contexto, nem diferenciar, entre si, estas “facções” cristãs.
A Cristandade é, assim, composta de todos aqueles que não só acreditam na existência material daquele homem, como testificam dois elementos fundamentais da história que nos foi contada. O primeiro, relativo à posição MESSIÂNICA, de Salvador, do “filho da virgem”, concebido por obra do Espírito Santo, o qual veio ao mundo como a personificação da palavra, ou do Verbo, e representa, para os cristãos, uma das pessoas da Santíssima Trindade (Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo). O segundo em relação à chamada ressurreição em que Jesus teria “ascendido” aos Céus, de corpo e espírito, condição que o diferencia de todos os demais humanos, cujos envoltórios materiais se decompõem nas lápides. As duas situações são dogmas religiosos e se fundamentam, não nas leis da Natureza, mas em crenças e superstições, sejam as da própria época, considerando a religião judaica (em que tem destaque o Antigo Testamento), seus costumes e ideologias, sejam as daqueles que, a partir do reconhecimento do Catolicismo (Cristianismo) como religião oficial do Império Romano, foram erigidas como verdades incontestáveis. Ou seja, na origem e no fim da existência humana, os pontos são convergentes entre os que se dizem cristãos.
Isso nos leva à primeira das constatações objetivas, deste artigo: Jesus, então, em relação à sua existência física, não pode ser cristão, primeiro porque não existia Cristianismo (e este viceja a partir da interpretação que é dada aos seus ensinos e realizações) e, segundo, porque não veio, ele, estabelecer qualquer religião em torno de seus ensinamentos e práticas, razão pela qual, se ele tivesse retornado ao mundo material e visto toda esta “aglomeração” em torno daquilo que consideram ser “princípios” do seu “evangelho” (filosofia), creio que dificilmente o Rabi se diria “cristão”.
Não vamos nem falar dos erros históricos da Igreja Católica (o Cristianismo que se estabeleceu a partir de Jesus e sua ideologia), porquanto sejam os homens, de vários intervalos temporais, e suas idiossincrasias, assim como disputas hegemônicas pelos poderes temporais e a eliminação de opositores, os responsáveis pela “execução” de atos, os quais não podem ser creditados a uma pretensa “Moral Cristã”, posto que, se nela fundamentadas (ou seja, baseadas na educação moral trazida por Jesus) estes não deveriam nem poderiam ter sido, jamais, empreendidos. Há que se separar o “espírito” da letra, posto que, segundo o próprio Galileu, “a letra mata e o espírito vivifica”.
A mesma Igreja, que moldou os Evangelhos à sua ideologia e construiu dogmas, sacramentos e princípios, é que diz que Jesus estabeleceu uma religião, assentando-se numa frase a ele atribuída, direcionada ao líder dos doze apóstolos, Simão: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja”, expressão que, convenhamos, confronta e conflita com todo o “ministério” em termos de ideologia, filosofia e práxis, desempenhada nos três anos conceituados como de “vida pública” do Nazareno. Veja-se que ao “moldar” as letras evangélicas, a inteligência de quem concebeu o sistema católico-cristão – do qual se derivaram o Protestantismo, primeiro, e as Igrejas Neopentecostais que abundam nos dias atuais – constituiu elementos fundantes bastante vigorosos e que se arrasta(ra)m séculos afora, até o presente. E, certamente, ainda por muito tempo sobre a face deste orbe.
Feitas estas considerações vamos associar as ideias cristãs às espíritas, ou vice-versa.
O Espiritismo é Cristão? Os espíritas são cristãos? Há elementos de conexão entre o Espiritismo e as chamadas Religiões Cristãs? Não! Nem pode ser ou ter. Porque a definição de Cristianismo não está associada, apenas, à existência e à missão do espírito encarnado Yeshua bar Yosef (Jesus filho de José, como era a nomenclatura de identificação das pessoas naquele tempo e naquele quadrante geográfico do planeta), como se poderia supor e desejar, mas ao conjunto litúrgico estabelecido pela igreja primitiva instituída “em seu nome”, pelos homens, para moldar-lhes os ensinamentos em torno de uma crença que, pouco a pouco e depois foi se tornando hegemônica – ainda que correlacionada, quase que tão somente, à porção ocidental do mundo, existindo, na outra parte, o Oriente, filosofias ou religiões muito mais numerosas em termos de adeptos e praticantes e, portanto, totalmente dissociada do personagem Jesus, seus feitos e suas lições. Ou seja, entre Jesus e Cristo há um hiato gigantesco.
É por isso que afirmamos, novamente com escudo em “O livro dos Espíritos” que há dois erros comuns entre os espíritas, para a consideração da personalidade humana do espírito Yeshua e, portanto, que se associam ao conceito de Cristo, afastando-o da realidade humana daquele inesquecível educador.
O primeiro dos erros dos “espíritas” (e uso a expressão entre aspas porque considero que os verdadeiros espíritas, estudiosos e diligentes devem ter uma outra visão acerca destas questões) está correlacionado à tradução comum da maioria das editoras que verteram a obra pioneira para o nosso idioma, do original francês, no tocante à questão n. 625 daquele livro, na qual Kardec questionou os Espíritos Superiores acerca da identidade de um modelo HUMANO para a Humanidade (sem redundância), tendo em vista que o Professor francês resolveu questionar e desejava deixar registrado em termos materiais, quem poderia ser o espelho em termos de atingimento futuro, dentro da lei de progresso que é inerente à existência espiritual. A resposta, presente na maioria das traduções é, consabidamente, “Jesus”. Quando, do contrário, deveria ser, pelo respeito ao idioma original e à legitima expressão das Inteligências Desencarnadas, “Vede Jesus” (“Voyez Jésus”, no francês). Ou seja, no primeiro plano, temos a redução para UMA ÚNICA PERSONALIDADE, com a resposta seca e sucinta. No segundo, a expansão da ideia de um SER SUPERIOR, embora ainda não totalmente “terminado” (ou perfeito, PURO), visto que estava ainda em uma existência física e em missão, neste orbe. O “vede” significa, olhe, observe, atente, ampliando o espectro de análise para permitir que, em outras sociedades ou civilizações, que não conheceram Jesus, pudessem existir (e existem!) outros luminares, outros avatares que representam graus acima na escala progressiva, inclusive, no mesmo patamar de ESPÍRITO SUPERIOR que o Homem de Nazaré tão bem encarna.
O segundo erro justamente é considerar Jesus como “Espírito Puro”, porque ao examinar o contexto de inúmeras mensagens contidas na Codificação Espírita, em alguns momentos os Espíritos Superiores, que estiveram em contato com Kardec e que ditaram, por meio dos médiuns, inúmeras mensagens, falam do “grau de pureza”, das atribuições espirituais, mas não testificam, em nenhum momento que o Espírito Yeshua estivesse no último grau evolutivo estabelecido, também, em “O livro dos espíritos” (item 100 e seguintes), quando estabelece que na primeira ordem e classe única, estariam os ESPÍRITOS PUROS e que a característica desses seria NÃO REENCARNAREM, não habitarem corpos materiais, não viverem “fisicamente”, mas apenas espiritualmente, em mundos das primeiras “prateleiras” (Mundos Celestes ou Divinos, na classificação dos planos habitados, em cinco níveis, segundo o Espiritismo), envolvidos nas “coisas de Deus”, como poeticamente podemos dizer.
Deste modo, se o Espiritismo FOSSE cristão, estaríamos diante da aceitação das premissas que constituem o Cristianismo – e as numerosas igrejas ou variações religiosas que se estabeleceram e continuam sendo criadas, até hoje, em “torno” do nome Jesus-Cristo. Por exemplo, embora já tenhamos citado, antes:
1) A virgindade de Maria (Myriam), sua mãe e o ato de concepção por “obra do Divino Espírito Santo”;
2) A trindade, estabelecida pela personificação trina – e independente, mas unificada – de um “mesmo espírito” como Deus-Pai, Jesus (Deus-filho) e Deus-Espírito Santo (o mesmo, aliás, que é tratado nas escrituras no fenômeno de xenoglossia – manifestação de espíritos em línguas diferentes – conhecido como Pentecostes, as línguas “de fogo” em cima das cabeças de discípulos e demais pessoas presentes àquela assembleia);
3) O messianismo, isto é, a confirmação das teses contidas no Antigo Testamento de que viria um “libertador”, um “salvador” que livraria o povo judeu do jugo romano e, simbolicamente, para os cristãos, a ideia de libertação contínua, permanente, posto que um dos dogmas da(s) Igreja(s) é justamente a libertação do “pecado original” (cometido por Adão e Eva, tidos como os primeiros humanos, expulsos do Éden por Deus);
4) O conjunto de realizações “fantásticas” de Jesus, contrariando as mínimas leis da física, tidos como “milagres”, representando “mistérios” que a Igreja não explica, mas impõe a concordância, em termos de crença; e,
5) A ressurreição, outro elemento previsto no Antigo Testamento, como requisito de validação da “missão divina” de Jesus, para vencer o “aguilhão” da morte e ascender aos Céus, para promover uma espécie de julgamento (juízo final) dos homens, quando “chegar o tempo”).
Vamos a estes conceitos e a interpretação, divergente, espírita.
No primeiro ponto (o da virgindade) tem-se a absoluta negação do princípio espírita da ENCARNAÇÃO (ou REENCARNAÇÃO), posto que nenhum dos seres humanos (espíritos encarnados) de todos os tempos, neste ou em outros planetas em que a constituição física seja similar à nossa, pode-se “nascer por obra do Santo Espírito”. Pode-se dizer que esta teoria da natureza agênere de Jesus (o fato de não ter, para quem acredita no dogma, uma encarnação decorrente de uma gravidez natural e, esta, por sua vez, resultante de uma inseminação natural, ou seja, a gestação decorrente de uma relação sexual saudável e consentida) foi apreciada por Kardec quando seu conterrâneo J.-B. Roustaing lhe apresentou uma obra chamada “Os quatro evangelhos”, escrita por ele e ditada por um ÚNICO espírito, o qual admitia a existência de um Jesus não-humano, portador de um “corpo fluídico”. Kardec, obviamente, rechaçou a obra e a tese, com a polidez e elegância que o caracterizavam, afirmando que a mesma não possuía correlação com as teses espíritas, não estaria validada pelos princípios fundamentais do Espiritismo, não tinha obedecido ao crivo e ao critério da concordância com outras mensagens (Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos – CUEE – o método que ele, Kardec, concebeu para estruturar a própria doutrina), representando o pensamento INDIVIDUAL de um espírito, apenas. Custa crer que, mesmo no seio espírita, nos dias atuais, decorridos 161 anos do surgimento da doutrina, haja um numeroso grupo de pessoas que se dizem espíritas acatando a obra e esta abjeta tese, totalmente contraditória em relação a tudo o que é ensinado pelo Espiritismo.
No segundo ponto, temos um CONFLITO INAFASTÁVEL entre a máxima e o dogma “cristão” e a filosofia espírita, porque Kardec, com apoio nas “revelações” espirituais, estabelece uma outra “trindade” para o Universo, dizendo que os elementos deste são, realmente, em número trino, mas são: Deus, Espírito e Matéria. Como pode, então, o mesmo Deus que é único (em pai, filho e santo espírito), ou seja, uma pessoa, estar fragmentado em “elementos” distintos, como é basilar na Filosofia Espírita? Incompatibilidade total, portanto. Ou se “serve” ao Espiritismo, ou se “serve” ao Cristianismo, tal qual Yeshua, mesmo, teria dito, em outro contexto: “Não se pode servir a Deus e a Mamon”, sendo este último o Deus do Dinheiro, representativo da materialidade em confronto com a espiritualidade.
Para a terceira colocação, inexiste qualquer pecado original, posto que a responsabilidade espiritual pelos atos é PESSOAL e INTRANSFERÍVEL, de modo que ninguém pode “penar” por causa de outrem e que, muito menos, a Humanidade – por todos os séculos e séculos, amém! – esteja condenada previamente e precise de qualquer absolvição, o que, no dogma religioso, ocorre no momento em que “Jesus morre pelos nossos pecados”.
O quarto ponto que envolve muitas situações que estão relatadas por Marcos, Mateus, Lucas e João, seja de modo individual por um deles seja por mais de um, dependendo da composição do evangelho especificamente, há situações que extravasam completamente o bom senso de logicidade, mesmo se considerada a circunstância de adiantamento espiritual do Rabi. Para não nos alongarmos em demasia, podemos situar a questão da multiplicação de pães e peixes ou a transformação de água em vinho, situações que versam sobre a “quebra” de paradigmas físicos, pertencentes ao mundo da matéria. Naturalmente, cinco pães não viram centenas, nem dois peixes viram tantos outros, por exemplo. Nem a água, que é insípida, inodora e incolor se transmuta em um líquido alcoolizado, que tem aroma característico de um fruto e que tem a cor avermelhada ou arroxeada. Ainda que o objetivo deste ensaio não seja tratar destas questões em detalhes, estamos diante de sugestões mentais (conduzindo à saciedade), no primeiro caso, e, no segundo, ainda que não tenhamos elementos de cientificidade para demonstrar, Jesus deve ter, de algum modo, estabelecido pela ação “energética”, alguma alteração nas substâncias constitutivas do líquido original, que não conhecemos, para produzir aquela apreciação de todos os que lá estavam. Isto para nós espíritas, porquanto para os religiosos cristãos em geral, se trate de milagres e estes são “grandes mistérios” inacessíveis aos homens.
Para a última questão, a natureza de nossos corpos físicos é o óbice essencial para que um corpo material “ascenda” do jeito que é contado nos evangelhos. Se, como até dizem as religiões ditas cristãs, Jesus é nosso irmão, nós e eles temos as mesmas possibilidades. E o que ocorre com os nossos corpos físicos, quando vem a morte? Eles se decompõem, se deterioram e somente o Espírito (com a presença, sabemos, pela teoria espiritista, o períspirito) parte para a vivência espiritual, para o “mundo dos espíritos”. Ainda que Jesus de Nazaré tenha sido visto, primeiro por Myriam de Migdal (Maria Madalena), depois por outros discípulos e seguidores, tendo permanecido um certo tempo na presença destes, só pode ter sido pela mediunidade de todos, seja pela vidência ou pela materialização do Espírito, que isto tenha ocorrido e, assim, considerando que possa ter ocorrido a tal “ascensão”, esta foi apenas do Espírito, materializado ou visível pela mediunidade, que se esvaiu após um tempo. E não mais voltou ou apareceu.
De certa maneira, Kardec até contribui com essa confusão reinante no Espiritismo “à brasileira”, a chamada “religião espírita”, ou até a “religião dos espíritos” (ou dos espíritas) como se ouve por aí, igualmente. É que muitos textos da Codificação, esparsos nas trinta e duas obras que ele publicou (incluídos, aí, os doze volumes da Revue Spirite, o seu laboratório, isto é, o espaço onde ele publicava textos de psicografias que poderiam ou não fazer constar em edições futuras dos livros fundamentais ou basilares da Filosofia Espírita – e muitos deles, realmente, depois de publicados na revista, passaram a ser incluídos nas reedições dos livros), acabam trazendo a expressão “Cristo” para se referir a Jesus. O adjetivo “Cristo” assim é motivo para se aproximar, temerosamente, a Doutrina Espírita de conceitos que com ela não se coadunam nem harmonizam. E é por isso que, neste contexto, muitas obras psicografadas por médiuns brasileiros e assinadas por personalidades que se identificam com a formatação clerical católica são absolutamente impertinentes e despropositadas, posto que versam sobre conteúdos que conflitam diretamente com os princípios e fundamentos espíritas e que, muitos deles, NÃO SÃO PERCEBIDOS à primeira leitura, mas só aparecem em estudos mais aprofundados, sistêmicos e comparativos, que não são muitas as pessoas, ditas espíritas, realizam como costume e rotina.
O Espiritismo, portanto, não é para leigos nem para curiosos, expressões aliás contidas nas afirmações de Kardec e suas orientações aos espíritas de todos os tempos. O Espiritismo, disse ele, é uma filosofia espiritualista com bases científicas e consequências morais, e é toda uma ciência que requer estudo e perseverança e o reconhecimento COMPLETO e ASSOCIADO de TODOS os seus princípios e fundamentos, sem retirar um sequer deles.
Nesse momento deste ensaio, torna-se necessário e fundamental DISTINGUIR Jesus de Cristo. Jesus é o homem, o espírito encarnado, um dos modelos humanos para a projeção das nossas potencialidades espirituais. Ele mesmo teria dito: “Não vos maravilheis em relação a tudo o que eu faço”. Ou, “Vós sois deuses, brilhe a vossa luz”. E, ainda, “Vós sois o sal da terra e a luz do mundo”, estabelecendo um nexo de ligação muito marcante entre nós e ele, no sentido da aplicabilidade da lei de progresso, simbolizando, com as frases atribuídas a ele, antes mencionadas, que as aptidões espirituais são PARA TODOS e que, conforme o ser se adianta, ele conquista possibilidades e potencialidades para exercício pessoal e, claro, em favor do semelhante e de si mesmo, pelos princípios da fraternidade presentes na Filosofia de Jesus e na Filosofia Espírita.
Cristo é um arquétipo religioso, um simulacro, um paradigma de crença. Há quem fale em “grau crístico”, entre os esotéricos, simbolizando um “padrão evolutivo” em que Yeshua e outros mais seriam exemplares ou representantes, na Terra. Avatares, dentro de um mesmo “núcleo”. No contexto da Religião Cristã, entretanto, CRISTO é o mito, é o ser místico e mitológico, cuja previsão data do Antigo Testamento e seus livros de difícil compreensão, cheios de alegorias, superstições, preconceitos e fatos sobrenaturais. O Espiritismo não é sobrenatural. O Ministério de Jesus – isto é o conjunto de seus ensinos e exemplos – nada tem de sobrenatural. Inclusive, há um livro específico no Espiritismo, que, aliás, está a se comemorar seu sesquicentenário de edição em 2018, “A Gênese” – e que cuja edição original e autêntica se conseguiu restabelecer a partir de um meticuloso trabalho de pesquisa e investigação, apoiado em fatos e documentos, com o resgate de uma tradução genuína, a conforme com o conteúdo importantíssimo que a obra encarta – livro este que explica os “milagres” e as predições, segundo o Espiritismo. Ali está a explicação lógico-racional para os feitos considerados milagrosos, mas que são apenas de decorrência e conformidade humana, sem misticismo nem sob o império do sobrenatural, de modo que as situações não-alegóricas (porque a Igreja Romana tratou de compor situações extraordinárias e incluí-las nos evangelhos canônicos, de modo a contribuir com a “materialização” do mito ancestral) devem ser afastadas por todo estudioso sensato, à luz do conhecimento espiritista.
Separar Jesus do Cristo, separar Espiritismo de Cristianismo, extraindo apenas a essência da mensagem contida nos ensinamentos e nos feitos do Nazareno é tarefa de todo espírita, sensato e estudioso. Esta mensagem é a que fundamenta a chamada Ética Espírita que há de nos conduzir para estágios espirituais, individuais e coletivos, mais adiantados. Com Jesus e com Kardec!
Textos da edição
Jesus e as verdades espirituais, por Carlos Antonio Fragoso Guimarães
Jesus e o Espiritismo pós-cristão, por Milton Medran Moreira
Jesus, um exemplo moral que permanece até hoje, por Paulo Roberto Santos (in memoriam)
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