Sexo, Sagrado ou Profano?, por Jaci Régis (in memoriam)

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Por Jaci Régis (in memoriam)

Participei, a convite, de uma reunião na Universidade Santa Cecília, de Santos, sobre o tema O Sexo nas Religiões. Junto comigo participaram um sacerdote católico e um pastor evangélico. O clima foi muito harmonioso e cada um explicou o modo de pensar de cada religião ou filosofia de vida, como o Espiritismo.

 As palavras abaixo reproduzem, aproximadamente, o que falei na ocasião, sendo que foram feitas várias perguntas que os três participantes responderam. A reunião foi realizada no Consistório da Universidade com a presença de cerca de 100 alunos e visitantes.

A visão de homem e de mundo do Espiritismo, não começa no berço, nem termina no túmulo. Ela se expande por um processo evolutivo, em que a alma, o Espírito amadurece, cresce, evolui, ganhando conhecimento, desenvolvendo talentos.

Nesse sentido, a sexualidade em sua essência é bem do Espírito imortal, exercitando em múltiplas encarnações de aprendizado e experiências senhoriais, afetivas, sensíveis. Em outras palavras, a sexualidade é um acervo permanente do Espírito.

Base da vida, no âmbito do mundo corpóreo e componente saliente na formação das estruturas mentais do ser imortal, a sexualidade manifesta-se no plano físico com as características femininas e masculinas, desencadeante do processo reprodutor.

Sendo, como é, o princípio formador da afetividade, em lento desenvolvimento Espírito, a sexualidade procura laços firmes na relação de reciprocidade, buscando o alimento indispensável ao equilíbrio da alma…

Claro que essas manifestações decorrem não apenas do nível evolutivo pessoal, mas também dos parâmetros, dos costumes e da cultura dos povos.

Historicamente, a sexualidade está ligada à moral, quer dizer às ordenações religiosas. Tanto no cristianismo como nas demais religiões, o sexo foi considerado fator de perdição moral, de desequilíbrio pessoal e social. Daí, prescrição de normas de conduta que visavam exercer rígido controle do impulso sexual.

Principalmente para a mulher que, na concepção de pecado e castigo, teria sido culpada, no cristianismo, pela introdução do pecado no mundo e que deveria ser punida com a sexualidade para procriação, sem gozo e muito menos prazer. O mesmo, guardada as proporções para os homens.

Mas para a mulher a virgindade foi exigida como lei, como moral, como guardiã de uma suposta pureza. O sexo feminino deveria exercer-se apenas no casamento e despido, do gozo ou prazer. Para o homem falou-se de castidade, mas tolerou-se o sexo fora do casamento, sem sanções morais mais profundas.

De modo geral, e em decorrência a sociedade ocidental criou uma cultura de repressão sexual e a sexualidade severamente reprimida, tornada mesmo objeto sujo, que as almas de escol deveriam livrar-se. Foi tolerada, como forma de reprodução e de gozo

Reprodução, gozo e prazer

Instrumento da reprodução, o sexo pode e deve ser também instrumento do prazer.

Prazer e gozo, não são sinônimos. O gozo pode ser apenas o momento do espasmo físico, mas o prazer reflete sobretudo a extensão da relação entre dois parceiros.

O gozo pode restringir-se aos mecanismos do coito , circunscrito aos genitais, como qualquer mamífero.

O prazer pede relação, ver e sentir o outro, olhar no olhar, produzir ternura…

Estamos num momento da história ocidental, em que as restrições pessoais e humanas impostas para a mulher caíram. Métodos anticoncepcionais abriram para a mulher a porta do sexo sem gravides. Um sexo, todavia, de gozo e não de prazer.

Criou-se uma cultura sexual sob certa forma perversa, pois condenou-se mental e humanamente tanto a jovem como o jovem , a partir da mais tenra juventude, da adolescência, à “necessidade cultural” de fazer sexo, sem prazer, geralmente, sem gozo, muitas vezes.

Esse rebaixamento ao nível puramente mamífero, sem dignidade e sem afetividade., invade praticamente todas as camadas da sociedade. Nesse delírio de futilidade, sexo tornou-se em si mesmo, uma forma quase única de realização vivencial. Entretanto, n verdade, cria-se uma séria contradição no ser, confundindo-o quanto à dignidade da sexualidade. E, de modo geral leva à insatisfação e ao fracasso íntimo.

Tem-se tentado mascarar essa troca erótica muitas vezes fabricada pela cultura, como uma forma de amor.

Para o Espiritismo, o sexo não é o amor, mas pode se transformar num instrumento de amor.

Isso começa pelo respeito aos parceiros, pela dignidade da relação.

Essas considerações não desprezam, ao contrário, valorizam as forças sexuais que são importantes e decisivas na vida a partir da adolescência, embora desde o berço e, naturalmente, antes dele, o ser é um ser sexual, entendida a sexualidade não apenas no aspecto genital, mas como energia vital a agitá-lo para o progresso, para a participação para a busca de níveis mais consolidados de vida e afetividade

A Delicada Questão do Sexo e do Amor

Em 1999 escrevi um pequeno livro, que chamei de A Delicada Questão do Sexo e do Amor.

Nesse livro analisei a emoção sexual e a procura do amor, como formas delicadas a exigir procedimentos que dignifiquem as pessoas. Pois as emoções são os alicerces da vida, É no seu universo afetivo que a alma sofre, cresce, angustia-se e alegra-se, encontra o prazer.

Lidar com esses delicados sentimentos nem sempre é fácil. Muitas vezes é mesmo difícil.

Há dúvidas, há inibições, desejos incompreendidos, censuras internas e externas, valores reais e valores fabricados pela ideologia religiosa, política…

Tentar encontrar o caminho mais sensato é tarefa que se impõe, e de forma alguma é impossível.

Em cada encarnação, o Espírito imortal repete, mais uma vez, o caminho da descoberta do sexo, como encontro de sua realidade perene e as decorrências do corpo físico, do ambiente e da família . Então, outra vez ele enfrenta o aprendizado e a repetição das sensações, dos desejos e da realidade interior e exterior.

A sociedade, as religiões, a filosofias de vida, como o Espiritismo, precisam estar alertas para oferecer orientações, processos de escolha e diretrizes consistentes para que cada um, desde o lar, desde a sexualidade consolidada ou não do pai e da mãe. Porque, na sociedade, a sexualidade começa a deteriorar-se ou equilibrar-se pela sexualidade dos pais, sem que isso nos coloque num beco sem saída. Essa sexualidade parental sugere diretrizes e caminhos, mas não é uma determinação insuperável.

O Espírito é independente, produz seu próprio caminho a medida que tenta conhecer-se mais adequadamente no plano dos sentimentos e compor sua base de valores morais.

É indispensável manter aberto o canal do diálogo e do entendimento para que cada um pessoa escolher com segurança, pedir socorro, falar de suas angústias e de seus problemas. Para isso é preciso ter a mente aberta, livre de preconceitos e de ideias de controle e acusações…

O niilismo que domina a sociedade, se sintetiza na futilidade e na procura desesperada e insensata do gozo de maneira alienante. Sabemos que o desvario sexual provoca graves perturbações na estrutura mental. E que o desencanto e a frustração afetiva são motivos de disfunções físicas e espirituais, criando zonas de ansiedade e autodestruição íntima.

Todos tem o direito de amar e ser amados. É necessário criar caminhos para que isso possa ser realizado.

Os produtores de arte, as empresas de comunicação, o consumismo, a disputa profissional, desenham uma sociedade sem objetivos e colocam o ser humano como uma figura em conflito sobre um fundo de futuro sem futuro.

Para ajudar a reação a esse ditadura niilista, o Espiritismo não pode e nem deve estabelecer procedimentos, castrações ou esquecer das variedades de sentimentos, ideias e valores de cada pessoa.

Não castração, nem promiscuidade.

Nem concordância alienada, nem condenação precipitada.

Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura, órgão do Instituto Cultural Espírita de Santos – ICKS, ano XVI, n° 183,  julho de 2003.

Imagem de digital designer por Pixabay

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

One thought on “Sexo, Sagrado ou Profano?, por Jaci Régis (in memoriam)

  1. A maneira como o Espiritismo integra a sexualidade com o crescimento espiritual e a evolução da alma oferece uma alternativa positiva às narrativas de culpa e punição. Este entendimento ajuda a construir uma sociedade mais aberta e compreensiva, onde a sexualidade pode ser discutida sem tabus, permitindo que as pessoas vivam suas vidas de maneira mais plena e equilibrada.

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