Marco Milani
A adulteração da obra “A Gênese” (5ª edição), especificamente em relação ao Capítulo XV, com a supressão de um item (n. 67, na edição original) prejudica a lógica utilizada por Kardec para tratar do desaparecimento do corpo de Jesus.
Apesar de já ter sido objeto de discussões entre alguns pesquisadores em anos anteriores, as alterações ocorridas na 5ª edição da obra “A Gênese”, comparativamente às suas quatro primeiras edições, receberam grande destaque após o lançamento do livro “O Legado de Allan Kardec”, por Simoni Privato Goidanich, no final de 2017 na versão em espanhol e, no início de 2018, na versão em português.
A pesquisa documental realizada por Simoni Privato lançou novas luzes sobre o assunto, contribuindo decisivamente para a elucidação de aspectos históricos até então pouco explorados.
Desde o alerta feito por Henri Sausse em 1884 sobre as mais de uma centena de alterações encontradas na 5ª edição de “A Gênese” e as circunstâncias que impedem a identificação segura da autoria das mesmas, especula-se se Allan Kardec teria realmente modificado a obra antes de seu desencarne em março de 1869.
Simoni Privato reuniu documentos comprobatórios de que, em vida, Kardec publicou até a 4ª edição da obra (em fevereiro de 1869), a qual era idêntica à 1ª edição. A 5ª edição somente foi publicada em 1872. Destaca-se o fato de que, em seu último livro escrito, intitulado “Catálogo racional para se formar uma biblioteca espírita”, Kardec faz menção direta a um item específico do capítulo XV da 4ª edição, mas que, misteriosamente, foi suprimido da 5ª edição e os itens renumerados.
O item 67, presente na 4ª edição, trata justamente das possíveis explicações para o desaparecimento do corpo de Jesus, sendo consideradas apenas as hipóteses de um roubo clandestino ou da ocorrência dos fenômenos mediúnicos de transporte ou invisibilidade. Em momento algum sinaliza-se a possibilidade de que o sumiço do corpo estaria relacionado à crença docetista do mesmo ser fluídico, como desejariam os seguidores de Roustaing. Ressalta-se, ainda, a necessidade de que qualquer explicação seja validada pelo critério da universalidade dos ensinamentos dos Espíritos.
O leitor poderá seguir o claro raciocínio de Kardec para essa questão no estudo dos itens 64 a 68 da 4ª edição, porém na 5ª edição notará que o desenvolvimento dessas hipóteses foi prejudicado com a eliminação do item 67 da edição original e renumeração do item 68 como sendo esse o item 67 da versão modificada. Uma vez que o objetivo foi discutir o desaparecimento do corpo de Jesus, a 4ª edição está fundamentada em uma sequência lógica nos itens citados (até o 68) que foi prejudicado pela supressão ocorrida na 5ª edição.
Nota do ECK:
[A] Artigo originariamente publicado no boletim “Dirigente Espírita”, n. 167, de setembro/outubro de 2018.
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