Marcelo Henrique
Imagem de HeungSoon por Pixabay
Quando, novamente, algum evento natural – isto é, o que não decorre diretamente das ações/omissões humanas – provoca graves consequências em relação a determinadas comunidades, no âmbito das catástrofes, tal é a oportunidade para debruçarmo-nos sobre eles na tentativa de entende-los à luz da teoria contida na Filosofia Espírita.
E o mote especial para tal análise está no caráter consolador do Espiritismo e, assim, trazer algum alento tanto para os familiares e amigos das vítimas como para a Humanidade que, atônita, contempla a dor de centenas ou milhares de pessoas, caso a caso. Isto porque, a partir da divulgação das imagens pelos meios midiáticos, figuram marcantes em nós as cores fortes da dor que visita inúmeras criaturas. Deste modo, abalados com o ocorrido, muitos de nós se perguntam: – Por que, meu Deus?
Quando temos, como no caso presente – confirmados, até o momento (14h00 do dia 6 de fevereiro de 2023) mais de 2.300 mortos (número que deve aumentar à medida em que a retirada dos destroços e escombros revelem outros seres humanos que perderam a vida – os chamados desencarnes em massa, o estudo da Doutrina dos Espíritos nos remete ao exame do núcleo central da tragédia: “[…] a destruição é uma necessidade para a regeneração moral dos Espíritos”, conforme o quesito 737, de “O Livro dos Espíritos”, de Allan Kardec. Há, assim, três núcleos semânticos no trecho hachurado: destruição, necessidade e regeneração moral. Analisemos.
Destruição importa necessariamente o aniquilamento da vida material, a interrupção da atual experiência reencarnatória. Há, segundo a cátedra espírita, os desencarnes naturais, os provocados e os violentos, em um dos vértices de análise conhecidos. Os naturais decorrem do esgotamento dos órgãos (questões 68 e 154, do livro citado) e representam o encerramento “programado” das existências corporais, segundo a lei de causa e efeito e o planejamento encarnatório do ser. Os provocados resultam da ação humana no espectro da criminalidade e da agressividade (assassínio, atentados, guerras), como decorrem de ações negligentes, imprudentes ou imperitas, como consta da análise jurídica, para a aferição da culpa e do dolo nas ações humanas. Os violentos, por fim, encampam a ocorrência em geral de catástrofes naturais (terremotos, maremotos, erupções vulcânicas, tsunamis, enchentes, deslizamentos de terra, entre outros), como é o caso.
Quanto à necessidade e, no caso, foi “necessário” a muitos morrer (desencarnar), é possível considerar que muitos deles estariam na condição de provações e expiações espirituais, consoante informa a questão 258 e seguintes, novamente de “O Livro dos Espíritos”, situando cada individualidade como alguém que escolhe o gênero de provas que deseja sofrer ou resgatar. Neste sentido, podemos ter um relativo número de indivíduos que possuíam, entre si, laços de reciprocidade e relação direta, já que “[…] as faltas coletivamente cometidas são expiadas solidariamente” (conforme outro livro de Kardec, “Obras Póstumas”, no item “Questões e Problemas”). Ou, então, mesmo que um quantitativo considerável destes não tivessem questões a expiar, tais indivíduos ali estavam por decisão de seu livre-arbítrio e, em sendo vítimas, têm o evento desencarne “aproveitado” como provação (e não expiação) na atual existência.
E, tratando da regeneração moral, devemos associa-la, sempre, ao ir e vir, ao conjunto das experiências (aproveitadas ou não) pelo Espírito, na existência carnal, em que os proveitos, os aprendizados, as lições bem desempenhadas, nos credenciam ao consequente adiantamento na Escala de Progresso, tal qual exposta no item 100 e seguintes, novamente de “O livro dos Espíritos”. Como o aluno que passa de ano ou que muda de fase, nas escolas iniciais ou médias e na universidade, os Espíritos alcançam novos degraus ascensionais, a partir de demonstrarem aptidões e capacidades, justamente nas provas, nas expiações e nas missões que assumiram, encarnação a encarnação.
Dito isto, a compreensão espírita permite, assim, a desconsideração do termo “fatalidade” como sendo algo relativo à desgraça, ao destino imutável dos seres. O quesito 851 da obra primeira diz que tal fatalidade “[…] existe unicamente pela escolha que o Espírito fez, ao encarnar, desta ou daquela prova para sofrer”. Para o Espiritismo, situações como essa não são “acidentais”, tampouco “obras do acaso”. Não há, na Filosofia Espírita, espaço para “sorte” ou “azar”, “ventura” ou “maldição”, e cada ser vive o que está contido na Lei de Causa e Efeito, uma diretriz inteligente que, longe de ser absoluta e pré-determinada (inafastável) para todas as circunstâncias, nos coloca no ponto de partida e de chegada de todas as situações que conosco ocorrem, nesta e em outras encarnações.
Neste sentido, a palavra “destino” também merece receber, da interpretação espírita, um redesenho, para representar, tão-somente, o mapa de probabilidades e ocorrências da existência corporal, resultantes, em regra, das escolhas e adequações realizadas no pré-reencarne, somadas às atitudes e aos condicionantes do contexto encarnatório, onde, com base no seu discernimento e no livre-arbítrio, continuará o rol de decisões que levarão o ser aos caminhos diretamente proporcionais àquelas, colocando-o, sempre, na condição de primeiro e principal responsável por tudo o que lhe ocorra.
Como o Espiritismo não “fecha questão” nem destaca “única hipótese”, há que se avaliar a circunstância daqueles que deixaram de comparecer ao evento festivo, por motivos vários, desistindo no último momento ou aqueles que, em lá estando, não sucumbiram, mesmo apresentando ferimentos. Como não há, para a Doutrina Espírita, um “determinismo estrito”, muitas pessoas podem ter sido “avisadas” por vozes invisíveis ou conselhos mentais e escaparam de estar naquele fatídico evento, como que “por milagre”, diria o adágio popular.
É verdadeiramente por isto que cognominamos o Espiritismo como a “Doutrina da Responsabilidade”, porque se nos permite a análise criteriosa de nossa relação direta com fatos e acontecimentos da vida (material e espiritual).
Com a ocorrência deste trágico evento, devemos voltar nossos olhos para a condição progressiva de nosso planeta e observar que muitos destes eventos naturais, que sempre existiram, de tempos em tempos promovem mudanças na situação dos Espíritos, que de encarnados passam a ser desencarnados, encerrando aquela etapa na senda de progresso a que cada um, espiritualmente, se acha sujeito. E, com “olhos espíritas”, ainda que emocionados, transtornados e impactados, procuremos enxergar com naturalidade a incidência da Lei Divina sobre indivíduos e coletividades.
Por outro lado, como acreditamos nos laços que vinculam os Espíritos entre si, assim como, em termos de atividades espirituais, compreendemos que existem desencarnados atuando no sentido do esclarecimento espiritual daqueles que perderam a vida nesta tragédia, podemos nos solidarizar espiriticamente, enviando nossas melhores vibrações e, também, preces, para que estas alcancem os Espíritos socorristas, na tarefa de encaminhamento das “vítimas” do desencarne em massa ao necessário e consequente despertar no Novo Mundo, para que estes compreendam que o curso da evolução espiritual continua. Para eles e para nós. Sempre!
Perfeito. Nessa hora a Doutrina Espírita oferece meios para consolar.
Tudo obedece as leis Naturais e de Evolução…Nada é por acaso e não existe castigo…somente aprendizado.
Percebo, em vários lugares do planeta, catástrofes naturais e, como consequência, desencarnes coletivos são efetuados. Portanto, aqui no Brasil, que não há esses eventos, percebo que os desencarnes diários e numerosos são em decorrência da violência e da miséria (assassinatos e corrupção). Existe algum significado para tal, em nosso país?