Timidez e Ousadia, por Marcelo Henrique

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“Os maus exercem geralmente maior influência sobre os bons, pela fraqueza destes. Os primeiros são intrigantes e audaciosos; os segundos, tímidos. Mas, quando estes últimos o quiserem, irão assumir a preponderância e a liderança” (Resposta dos Espíritos à questão 932, de “O livro dos Espíritos”).

Repercutiu bastante no chamado “segmento progressista espírita” a fala do emérito arcebispo de Aparecida do Norte, Dom Orlando Brandes (foto acima), durante a celebração da missa em homenagem à padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida, neste 12 de outubro de 2021.

Entre outros trechos “agudos” de sua manifestação, além de criticar severamente a disseminação das fake news e posicionar-se contra a corrupção, no sermão daquela manhã, o clérigo afirmou: “para ser pátria amada não pode ser pátria armada”.

De pronto, me lembrei de outros representantes da Igreja Católica, como o Cardeal Arns, o padre Júlio Lancellotti e o Frei Leonardo Boff. Personalidades que, abraçando o ideal de fraternidade e caridade, bandeiras não só da agremiação romana, mas de outras derivações do pensamento cristão, se destacaram/destacam pela militância em causas sociais e pela defesa inconteste dos direitos humanos.

Brandes não “passou pano” e não mandou recado indireto. Há um destinatário em especial, o qual representa determinado papel da conjuntura sócio-política, independente de que “lado” o leitor esteja. Se “andorinha só não faz verão”, como vaticinou o observador poeta do passado, há um sem-número de pessoas que aplaudem, justificam, validam e apoiam uma série de medidas e posturas notadamente contrárias aos mínimos padrões de ética, civilidade, amor ao próximo e espiritualidade, patrocinadas no atual cenário tupiniquim.

E, como não podemos, também, deixar de mencionar, há um outro contingente, maior e mais considerável, nestes dias de outubro e primavera em nosso país, que “dá de ombros”, ou trata tais questões como “isto não é comigo” ou “o que eu tenho a ver com isso?”, preferindo a zona confortável (?) da indiferença.

Eis o panorama social vigente no Brasil, portanto. E o cardeal coloca “o dedo na ferida” para “sacudir” o imobilismo dos fiéis a quem se dirige, notadamente o contingente mais significativo da população brasileira, em termos de religião, os católicos. Se o quiserem, por exemplo, os adeptos da igreja de Roma podem decidir uma eleição e redefinir ou redesenhar o cenário da gestão pública brasileira, em termos de poder executivo federal.

E quanto aos espíritas? Quem são eles? Quem os representa? Quem pode, por analogia, figurar na posição assumida publicamente pelo sacerdote de Aparecida do Norte?

Em linhas gerais, o dirigente da instituição espírita que você frequenta. Um pouco mais “acima”, em termos de estruturação social, os que figuram em postos de comando das ligas, uniões ou conselhos regionais e estaduais espíritas, assim como os dirigentes das federativas estaduais e distrital, que os congregam. E, no ápice da pirâmide, os que compõem a Federação Espírita Brasileira (FEB). Mesmo que se considere que quase dois terços das mais de vinte mil instituições espíritas existentes em solo brasileiro, não são “filiadas” aos entes que compõem a FEB, em termos de manifestação “oficial” dos espíritas, a entidade possui representatividade e é reconhecida como “porta-voz do Espiritismo” no Brasil. Queiramos ou não. Tenhamos simpatia ou não em relação a isto, trata-se de fato inconteste. Se representantes dos poderes públicos ou de órgãos representativos públicos ou privados, assim como membros de veículos de imprensa quiserem “dialogar com os espíritas”, irão procurar os dirigentes da federativa nacional ou das que, localmente, a representem.

Assim sendo, nos últimos anos – para não nos perdermos na esteira do tempo – quantas e quais foram as vezes em que a FEB – ou pessoas a ela ligadas, como expositores, escritores e dirigentes – se manifestaram em relação a questões graves do nosso cenário político-social republicano e econômico-social? Você consegue identificar e pontuar alguma situação? Poderia lembrar-se com facilidade de uma vez em que a federativa e os espíritas “reconhecidos” estiveram claramente do lado, em falas e, principalmente, ações, dos economicamente mais vulneráveis, dos politicamente “sem voz” e das minorias e dos excluídos? Algum episódio em que a “casa de Kardec” criticou a forma de condução dos destinos do “maior país espírita do mundo”? Ou que procurou, oficialmente, algum dos poderes (Executivo, Legislativo ou Judiciário) para propor soluções para os problemas sociais, visando minimizar os efeitos das canhestras políticas adotadas ou para sugerir alternativas para a resolução das graves questões que envolvem os brasileiros (espíritas ou não)?

Não, meu querido amigo espírita! Você não encontrará! No máximo, você poderá se recordar e encontrar, em uma pesquisa na internet, textos cheios de romantismo espiritual, para declarar que a preocupação dos Espíritos Superiores é com as “coisas do Espírito” e que, portanto, nenhuma entidade “de escol” irá tratar dos “comezinhos” contextos humano-materiais. E, mais além, inclusive buscando manifestações de “espíritas de alto coturno”, ou “espíritas togados”, ou, ainda, “espíritas delegados”, nas redes sociais, poder-se-á ler: “não é tarefa da Alta Espiritualidade ou dos Orientadores Espirituais do movimento questionar ou rechaçar atos e políticas governamentais, porque tal não é a forma educativa recomendada para as questões espíritas”. Hum…

Não saberia, eu, dizer, se os tais orientadores realmente assim se manifestam, ou se tal é a tradução anímica dos médiuns consultados e suas posições políticas. Ou se é uma “retroalimentação” ou “reverberação” de opiniões ou conceitos, já que, como disseram as Inteligências (realmente) Superiores a Kardec, “os espíritos se ligam por afinidade e por laços de afeição”, posto que, entre si, encarnados e desencarnados nutrem-se dos mesmos valores e esposam suas mesmas convicções e idiossincrasias.

Se Jesus realmente disse que deveríamos “estar no mundo sem ser do mundo” (João; 15:19), isto jamais representou, nem no seu tempo nem na atualidade, que devêssemos nos afastar de modo equidistante das questões materiais, sobretudo em face da proposta do Evangelho de atender aos necessitados – questão que, em termos de Filosofia Espírita, é amplificada seja na terceira parte de “O livro dos Espíritos”, seja em quase todos os capítulos de “O evangelho segundo o Espiritismo”, no que concerne à atitude consciente de minimização dos infortúnios alheios e da chamada ação social espírita.

Kardec foi um pensador tanto do seu tempo (contexto e cenário) quanto do futuro. Ao adotar tanto o pensamento quanto a postura filosófica de seus antecessores (Maiêutica Socrática, Dialética Platônica, Senso Científico Aristotélico, Raciocínio Metódico Descarteano, Educação Rousseaniana e, por fim, Teoria e Prática Educacionais Pestalozzianas), conseguiu dialogar com as graves questões socioeconômicas do século XIX, marcas da França e da Europa como um todo.

Destaque-se, por exemplo, o grau de penúria social, desemprego, fome, marginalidade social e delinquência, vividas pela ambiência da França napoleônica, naqueles dias, e o compromisso social de Kardec na participação de instituições de assistência social e, também, no engajamento do casal Amélie-Rivail na distribuição de pães aos mais carentes (retratada com magnitude no filme “Kardec a história por trás do nome”, de Wagner de Assis).

Hoje, no “Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho” – como ilustra a capa de um dos livros psicografados por Chico Xavier –, bordão escolhido por 9 entre 10 espíritas da contemporaneidade para “sinalizar a vocação e a destinação do nosso país no contexto internacional”, enfrentamos, além da inflação desenfreada e da carestia de preços e da incapacidade de gerir as crises econômicas, um cenário preocupante e cada vez mais amplo de desemprego, fome, violência e criminalidade, ao lado de “bandeiras” como o negacionismo, o proselitismo e o fanatismo religioso.

Nossas armas deveriam ser, ao invés das de fogo ou brancas, letais à vida física, as da solidariedade, fraternidade e justiça social, como bem enquadra o último dos capítulos da citada terceira parte da obra kardeciana primeira: “Lei de Justiça, Amor e Caridade”. Onde os fortes proveriam às necessidades dos fracos. Na qual os desvalidos e os incapazes seriam amparados pelos ativos. Em que o engajamento político-social nas causas humanitárias dos cidadãos brasileiros seria a tônica. Cenário onde os homens de bem deixariam de lado sua (costumeira) timidez – confundida, quase sempre como apatia e distanciamento – para ousar serem os construtores de uma sociedade mais espiritualizada, inclusive pelo avanço da legislação e das estruturas da sociedade.

Eu, franca e sinceramente gostaria de, num amanhecer de qualquer dia, me deparar com uma publicação nas redes sociais relacionadas ao Espiritismo (federativo), em claros posicionamentos em relação a circunstâncias da política humana, sobretudo no país em que nasci e vivo. Isto seria a inconteste demonstração de que os espíritas do nosso tempo entenderam a real proposta da Filosofia Espírita, para arregaçarem suas mangas e lutarem para a efetivação de um planeta regenerado, nos moldes previstos pelos Espíritos Superiores.

E você?

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

13 thoughts on “Timidez e Ousadia, por Marcelo Henrique

  1. Excelente reflexão qdo vc chama à responsabilidade a estrutura que se autodemomina condutora no movimento espírita brasileiro e aqueles que em suas falas tmb falam por ela. Corajoso qdo questiona a aceitação sem análise, cirúrgico qdo expõe as contradições evidentes entre o que se lê nas obras básicas sobre a caridade e sua prática no meio Espírita no grave momento do país. Pagaremos o custo Histórico da manutenção desta omissão que não mais se sustenta! Quem permanece em cima do muro já escolheu o seu lado…

  2. Muito boas e oportunas reflexões e colocações do Marcelo Henrique. Concordo que, num cenário tão preocupante como o atual, neste país, os os espiritas podem, e devem, se manifestar sobre as questões politicas, sociais e econômicas que envolvem a todos, especialmente quando ideias de ódio, ultrapassadas, anti eticas, preconceituosas e belicistas ganham corpo entre parcela significativa da população. Como diz a oração bde São Francisco: “onde houver ódio, que eu leve o amor! Onde houver erro, que eu leve a verdade! Onde houver trevas, que eu leve a luz…”

  3. Excelente. Atualmente tenho vergonha de dizer que sou espírita devido mesmo aos fatos por ti relatados. Quando digo que sou, faço as devidas ressalvas, e mostro o verdadeiro espiritismo.
    Abraço grande

  4. Amigo, boa noite. Dentro desta lógica coloco o seguinte : Eu como Professor de Educação Fundamental na área de Educação Física desde os anos 80 vejo com os mesmos olhos sua indignação. Minha área é de longe a mais alienada e fora da realidade o que só pode configurar- se como prima irmã da FEB. Como Espírita desde encarnações anteriores vou lhe expor mais uma visão difundida por muitas casas. Agora é dizer que o Brasil é a pátria onde os irmãos franceses oriundos da fundação do movimento encarnaram. Fica tão estranho estas proposições que ando pregando a distância de toda e qualquer doutrina ou religião pois estão nas mãos de gente exclusivamente pautadas na ordem institucional montada pela claque que dita os rumos de tudo e todos não só no Brasil mas em todo o planeta. Estamos nos ridicularizando. Não conto aqui os absurdos que temos ouvido de muitos palestrantes, sem medo do ridículo.

  5. Estou me sentindo muito angustiada em ler esse texto, e feliz ao mesmo tempo. Penso muito nisso. Não sei como agir. Sou coordenadora de grupo de estudos e estou pensando seriamente em estudar seu texto com os participantes. Também me angustia esse silêncio e o posicionamento de muitos “espíritas “ perante o que estamos vivendo.

  6. Corajosamente, Marcelo Henrique vem tentar desnudar a hipocrisia que patenteia o comodismo e a omissão do movimento espírita brasileiro diante dos graves problemas do Brasil. Problemas não recentes, vêm de tempos que atravessam décadas e décadas. Os espíritas omitem-se da participação nos movimentos sociais promovidos por segmentos progressistas da sociedade, ante as questões da violência, não se manifestam oficialmente no combate aos preconceitos, ao racismo, à misoginia, à homofobia, à corrupção, à pobreza extrema de milhões de pessoas. Não, os espíritas são catatônicos em discutirem e proporem medidas políticas para sanarem tais situações, pelo contrário, vivem grudados na distribuição de cestas básicas mensais, praticam caridade mas não querem sequer ouvir falar em justiça social.

  7. Realmente faz algum tempo que me questiono o quanto a maioria dos que se dizem espíritas poderiam fazer e se calam. Algo que me decepciona por observar que o amor é caridade se restringe só dentro da casa espírita

  8. Concordo plenamente com o seu texto, estou deveras decepcionada com o movimento espírita, mas continuo estudando Kardec e fazendo a minha parte sem timidez.

  9. A Igreja Católica embora não pareça, é politica desde o seu surgimento, lá na Roma Antiga. Essa instituição sempre esteve por trás dos atos políticos dessa Pátria Amada! É fácil, para o representante da IGREJA, subir ao púlpito, e desferir palavrório, pois sabe que as reações politicas, serão domadas,… domesticadas; e dificilmente sofrerá qualquer retaliação.
    Quanto aos Espíritas precisam arrumar sua Casa! Em suas oratórias encantadoras, teorizam em nome dos Espíritos Superiores o sonho de um mundo regenerado. Mas… obliteram ações dos Espíritos, que não comungam em sua cartilha.
    Assim sendo, preferível é silenciar. O Mundo mudará para melhor quer queiram ou não!

  10. Parabéns pelo texto. Bastante provocativo e necessário.
    Gostaria de fazer uma observação a respeito de um pontinho: A parte em q vc fala das “bandeiras” e incluí o negacionismo. Não penso q muitas pessoas q fazem a crítica, q questionam, q duvidam e q seguem outras narrativas q não fecham com determinados consensos científicos hegemonicos, sejam rotuladas como negacionistas.
    Ex: artigo de Alfredo Jalife – sabotagem da OMS e Microsoft contra vacina Sputnik. (Manipulação de dados; interesses das Big farms, com aumento extraordinário na bolsa de valores, cerca de 450%; o grande capital se reestruturando – ver Fórum mundial de economia ocorrido em Davos de janeiro deste ano, as perdas de direitos em diversos países e o endividamento c FMI, banco mundial p compras de vacinas gerando mais austeridade fiscal, etc). Tudo isso não pode ser colocado como negacionista.

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