Ziraldo “subiu”: então, o Menino Maluquinho vai se encontrar com Pluft!, por Débora Nogueira e Marcelo Henrique

Tempo de leitura: 9 minutos

Débora Nogueira e Marcelo Henrique

Mamãe, gente existe?

Pluft, o fantasminha [1].

o tempo passou. E, como todo mundo, o menino maluquinho cresceu. Cresceu e virou um cara legal! […] E foi aí que todo mundo descobriu que ele não tinha sido um menino maluquinho, ele tinha sido era um menino feliz!

O Menino Maluquinho [2].

Ziraldo Alves Pinto (1932-2024) fez a sua passagem. “Subiu” como nossa gente gosta de dizer, ainda que não se vá para nenhum lugar superior (nem inferior) ao que nos encontramos. Saiu de encarnado para desencarnado. E vive!

E isto nos fez lembrar, de pronto, da história de Maria Clara Machado (1921-2001), com o seu personagem que tem medo de gente! De gente encarnada!

Ahhh, o Pluft!

Pois é, assim com muitos espíritas têm medo de Espíritos, o fantasminha Pluft tem medo de gente!

Nas nossas “viagens”, com a criatividade de nossa imaginação, imaginamos um ambiente infantil onde encarnados e desencarnados se encontram… Pode ser aqui mesmo, já que o “lado de lá” é o “lado de cá”. Espíritos deixam a matéria e continuam entre nós, convivendo conosco e se comunicando, orientando, consolando, ajudando, ficando felizes com nossas vitórias…

Ah, a mediunidade que explica o fato de estarmos, todos – inclusive aqueles seus amigos e parentes mais queridos – vivos. Mais vivos do que nunca! E as possibilidades de nos comunicarmos, sentirmos as suas presenças, os seus carinhos.

Imaginamos, agora, o encontro do Menino Maluquinho (Ziraldo) com o Pluft (Maria Clara)… Será que terão medo, um do outro, como aquela cena icônica e inesquecível de “E.T., o Extraterrestre”? Pensamos que não!

Acreditamos que ambos dirão um pronunciado “AHHHHHH” e, certamente haverá uma boa prosa e muitas risadas.

Risos? Existe isto no mundo dos Espíritos? Lá não é “tudo sério”, não temos de trabalhar e continuar progredindo?

Olha…

O riso, a alegria, os sorrisos, o contentamento, as brincadeiras, a felicidade são intrínsecas à nossa natureza humano-espiritual. Ensinou-nos Kardec (e as Inteligências Invisíveis) que o “outro lado” é a continuidade “deste lado”. Os indivíduos (agora, plenamente, Espíritos – desencarnados) continuam sendo o que foram durante a existência material, porque “nada na Natureza se faz por transição brusca” (KARDEC, 2004) [3]. Mas, antes, esta verdade espiritual já havia sido dita, na forma de “em a Natureza nada dá saltos” – frase atribuída ao filósofo e matemático alemão Leibniz (1646-1716) OU ao naturalista e médico sueco Von Lineu (1707-1778) – vai ver pelos dois, em construções distintas, porque “o vento sopra onde quer” (Yeshua) [4].

Sobre o riso, a alegria e o (bom) humor, há trechos nas obras kardecianas que merecem destaque e lembrança.

Na “Revue Spirite”, Kardec tinha o (bom) hábito de analisar publicações do seu tempo, sobretudo as que tratassem de questões afetas ao Espiritismo, para estabelecer importantes conexões e traçar paralelos ou cogitar de diferenças conceituais, filosóficas ou científicas. Fazia-o e próprio punho e, em outras vezes, convidava colaboradores da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas (SPEE). Foi o que aconteceu, no fascículo de junho de 1868, quando Emile Barraut, analisa a obra “A religião e a política na sociedade moderna”, de Frederic Herrenschneider e, no particular, apresenta a concordância dos escritos deste autor com as da Filosofia Espírita:

“A força da alma é de ordem virtual, espiritual, ativa, voluntária e refletida; é o princípio de nossa atividade. Por toda parte onde se encontre o nosso perispírito, encontra-se igualmente a nossa força. Do perispírito ou do tesouro adquirido de nossa natureza dependem a nossa sensibilidade, as nossas sensações, os nossos sentimentos, a nossa memória, a nossa imaginação, as nossas ideias, o nosso bom senso, a nossa espontaneidade, a nossa natureza moral e os nossos princípios de honra, assim como os sonhos, as paixões e a própria loucura.

De nossa força derivam, como qualidades virtuais, a atenção, a percepção, a razão, a lembrança, a fantasia, o humor, o pensamento, a razão, a reflexão, a vontade, a virtude, a consciência e a vigilância, assim como o sonambulismo, a exaltação e a monomania” (nosso destaque) [5].

Veja-se, aí, expressamente, a inclusão do humor entre as qualidades espirituais. E o analista ainda valoriza o trabalho de Herrenschneider, que, por meio de indução, chega aos mesmos resultados do Espiritismo (mas esse procede por via experimental, com sua teoria baseada na observação dos fatos).

Em outra obra (“O que é o Espiritismo?”), tratando do conhecimento das verdades espirituais, que o Espiritismo propicia, a partir do esforço de cada um em entender a vida e o universo, Kardec assevera que ao provar a existência do mundo espiritual, formado pelas almas que viveram neste plano, o Espiritismo permite, no diálogo com os desencarnados, conhecer as “suas alegrias ou seus sofrimentos, segundo o modo por que empregaram o tempo de vida terrena; nisto temos a prova das penas e recompensas futuras” (destaques nossos) [6].

Já em “O livro dos Espíritos”, dissertando sobre as intervenções dos Espíritos no mundo corporal, Kardec questionou acerca da alegria para as Inteligências Invisíveis (item 486), especificamente se os Espíritos se interessariam com as situações vivenciais nossas. A resposta: “Os Espíritos bons fazem todo o bem que lhes é possível e se sentem ditosos com as vossas alegrias” (sublinhamos) [6]. Adiante, na mesma obra, no item 935, constata-se a importância da alegria que se manifesta em sorrisos e risos: “A possibilidade de nos pormos em comunicação com os Espíritos é uma dulcíssima consolação, pois que nos proporciona meio de conversarmos com os nossos parentes e amigos que deixaram antes de nós a Terra”. E prossegue: “Pela evocação, aproximamo-los de nós; vêm colocar-se ao nosso lado, nos ouvem e respondem. Desse modo, cessa, por bem dizer, toda separação entre eles e nós”. E, por fim, arrematam: “Auxiliam-nos com seus conselhos, testemunham-nos o afeto que nos guardam e a alegria que experimentam por nos lembrarmos deles” (Destaques nossos) [7].

A marca de Ziraldo era a alegria e o humor refinado. Podemos dizer que ele viveu sua arte plenamente, mesmo tendo passado (como nós) por um período obscuro e violento da nossa recente história, porquanto repressor das liberdades e aniquilador de direitos fundamentais, inclusive com prisões, torturas, mortes e pessoas dadas como desaparecidas – que jamais foram encontradas.

Bravamente, o “Homem Maluquinho” sobreviveu e continuou sua luta pela redemocratização e pela expressão do bom humor e da alegria. Recordando-nos de Nelson Rodrigues, o grande dramaturgo brasileiro, quando dizia que sempre viu o mundo com o olhar de menino que espia a vizinha pelo buraco da fechadura, enxergamos o mesmo menino em Ziraldo. E, também nós, eternos meninas e meninos.

Isto mesmo que muitos de nós ao nos tornarmos adultos, diante dos desafios, das responsabilidades, das obrigações, nos tornamos sérios, austeros, taciturnos e… chatos! Mas a arte vem e sempre nos resgata, com a reflexão do cartunista e com a alegria do Menino Maluquinho, pois a criança que um dia fomos, está sempre presente em nós, mesmo que esteja momentaneamente escondida ou disfarçada pelas circunstâncias.

Nós, Débora e Marcelo, que somos expoentes da arte e da arte espírita, sabemos que estas expressões, estes gêneros artísticos favorecem o trato com as emoções e, neste particular, as expressões da vívida alegria. Especificamente no teatro, é fundamental querer e saber brincar para interpretar, o cartoon, o desenho, as histórias, os enredos, os personagens. Na música, igualmente, para dar vida às ricas expressões de fala de quem compôs letra e melodia, cenários, personagens, sentimentos, ideias, reações… É preciso, pois, imaginar, ver além, transcender, espiritualizar.

Até Ferreira Gullar (1930-2016), escritor, poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista e ensaísta brasileiro, com sua sisudez e seu ar sério, eternizou a arte, ao dizer que ela existiria porque não bastava a vida.

A arte de Ziraldo trouxe, traz e continuará trazendo àqueles que acessarem seus livros e gibis, a alegria, o bom humor e as muitas traquinagens das crianças, merecedora da mágica música do nosso querido Milton Nascimento:

Como seria bom e necessário que essa alegria do Ziraldo pudesse “contaminar” o dito meio espírita, por vezes tão acabrunhado, soturno, melancólico e desanimado. Que maravilha seria se as nossas crianças e os nossos jovens (cronologicamente) pudessem encher os ambientes das instituições e grupos espiritistas de risos, gargalhadas, músicas, interpretações, danças, cores mil, contagiando e provocando a reciprocidade dos adultos e idosos, em lídimas vibrações elevadas de alegria.

A curiosidade infantil e adolescente pode caminhar naturalmente para a pesquisa e o estudo das questões espirituais, que tanto foi dito e escrito por Kardec, aliás um propósito perseguido pelo mestre quando iniciou seu trabalho incansável em pesquisa e estudo do Espiritismo.  O humor sempre foi um desafio para o artista frente a sociedade, parece que o riso pode interferir na moral, na fé; Bergson (1859-1941), filósofo e diplomata, destaca em seu livro “O Riso” (1899) que, quando rimos de alguém, é porque este se comporta como autômato. É, pois, um estranhamento (de nossa parte) frente ao que acontece com o outro, configurando o chamado humor físico, que é muito utilizado pelos palhaços.

Muitas vezes, ficamos a nos perguntar: – quem é o autômato e quem o observador? Mas, que Bergson (1859-1941) não nos ouça…. No meio espírita vemos tantos autômatos que aos poucos foram apagando a criança curiosa e alegre dando lugar a uma pessoa austera, que vive no silêncio e sempre em grandes momentos aparentemente  reflexivos, despejando palavras em palestras e esquecem do essencial da doutrina. Leon Denis, em “O Espiritismo na arte”, Cap. I define a arte como busca, estudo, manifestação da beleza eterna, “da qual percebemos, aqui na Terra, apenas um reflexo”. O Espiritismo vem abrir para a arte perspectivas, horizontes sem limites , a comunicação entre os mundos visível e invisível , a informação das leis superiores de harmonia e beleza que regem o universo oferece inesgotáveis temas de inspiração”.  Espiritismo é fonte de conhecimento e questionamento, é alegria , arte, beleza, estudo e essa criança curiosa, criativa ,ali escondida, abandonada, precisa adentrar novamente os Centros Espíritas.  Imaginem o Menino Maluquinho conduzido por Pluft iniciando um visita em qualquer centro e deparando com silêncio, moralismo, religiosidade, e nenhum estudo. Pluft não pode rir, Menino Maluquinho não pode usar a panela na cabeça não pode rir alto, o riso abaixa a vibração da casa, Teatro para quê? Música nem pensar, Humor? Olha os espíritos zombeteiros…Silêncio e ordem…. Alguém sabe

 

Quem é Kardec numa casa espírita da contemporaneidade? Alguém sabe o que é, de fato, Espiritismo? Onde foi parar a nossa alegria? Renato Russo cantou e repetiria, em nossos dias: “Quem roubou nossa coragem! Tudo é dor! Tudo é sofrimento, tudo são débitos do passado, temos de sofrer!

Que pena!

Onde estará essa criança de olhos vivos e ouvidos atentos, em você? O Menino Maluquinho parece estar com uma mordaça, sem a panela na cabeça… E o Pluft, talvez bem escondido num canto, com olhos arregalados, pois continua com muito medo de gente…

A arte que tanto falou Leon Denis (“O Espiritismo na Arte”) nos convida à beleza, ao olhar mais além, ao questionar com desejo de saber mais (olha a criança que pergunta, aí!). Na busca pelo conhecimento espiritual se amplia esse convite…

Ziraldo se foi, e com ele deve ter ido o Menino Maluquinho, até que cada um de nós vá busca-lo, de volta. E Pluft acompanhou continua escondido, mas o espírito infantil habita em nós. E como é bom brincar, cantar , estudar:

Como disse um meninão de 81 anos, o nosso menestrel, coração de estudante, Milton Nascimento, o “MilTONS” como disse Chico Buarque:

“Vida de moleque é vida boa

Vida de menino é maluquinha

É bente-altas, rouba bandeira

Tudo que é bom é brincadeira

 

É bente-altas, rouba bandeira

Tudo que é bom é brincadeira

 

O menino é o dono do mundo

E o mundo não é mais que uma bola

O menino não conhece perigo

Tem um anjo da guarda na sua cola

 

Vida de moleque é vida boa

Vida de menino é maluquinha

É bente-altas, rouba bandeira

Tudo que é bom, é brincadeira

 

O tempo do menino maluquinho

É um tempo que existe só na infância

Mas ele é eterno em todos nós

Ele gruda feito chiclete, feito esperança

 

O tempo do menino maluquinho

É um tempo que existe só na infância

Mas ele é eterno em todos nós

Ele gruda em nós feito esperança”

Feito esperança, a esperança que ri, sorri, gargalha…

Pois como Ziraldo dizia, nós repetimos: – Deixa as crianças brincarem, deixa as crianças se divertirem… É tão bom brincar!

Dados biográficos [7]:

Ziraldo foi cartunista, chargista, pintor, escritor, dramaturgo, cartazista, caricaturista, poeta, cronista, desenhista, apresentador, humorista e jornalista brasileiro. É o criador de personagens famosos, como o “Menino Maluquinho” (seu maior sucesso editorial e já adaptada para cinema e televisão) e a “Turma do Pererê” (esta a primeira história em quadrinhos a cores totalmente produzida no Brasil ), e é um dos mais conhecidos e aclamados escritores infantis do Brasil.

Herdou a arte de sua mãe e de dois avós, um deles músico e maestro de banda, o outro flautista e pintor. Seu talento no desenho já se manifestava desde a primeira infância, tendo publicado um desenho no jornal Folha de Minas com apenas 6 anos de idade.

Aos dezesseis anos de idade, vai para o Rio de Janeiro e em 1949 ilustrou contos da revista Coração. Nesse mesmo ano, publicou sua primeira história em quadrinhos, no Sesinho, de Vicente Guimarães. Sua carreira se inicia no magazine Era Uma Vez…, com contribuições mensais. Em 1954, começa a trabalhar no jornal A Folha de Minas, com uma página de humor. Em 1957, formou-se em direito pela UFMG, mas nunca exerceu a advocacia.

Foi fundador e posteriormente diretor do periódico O Pasquim, tabloide de oposição ao regime militar, uma das prováveis razões de sua prisão, ocorrida um dia após a promulgação do Ato Institucional n. 5.

Com irreverência, humor abusado e charges polêmicas, o artista gráfico Ziraldo é também autor de livros, com uma produção marcada por temas nacionais.

Notas dos Autores:

[1] MACHADO, M. C. Pluft, o fantasminha. 15. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018.

[2] PINTO, Z. A. O menino maluquinho. 3. Ed. São Paulo: Melhoramentos, 2023.

[3] O livro dos Espíritos. Livro Segundo. Cap. I – Os três reinos. Item 609. Trad. J. Herculano Pires. 64. Ed. São Paulo: LAKE, 2004.

[4] “O vento sopra onde quer; ouves-lhe o ruído, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim acontece com aquele que nasceu do Espírito” atribuído a Yeshua e citado no evangelho de João (3: 7-15).

[5] KARDEC, A. Revue Spirite. Junho de 1868. Notas Bibliográficas. Trad. Salvador Gentile. Araras: IDE, 2001.

[6] KARDEC, A. O que é o Espiritismo? Cap. II – Noções Elementares de Espiritismo. Consequências do Espiritismo. Item 100. Trad. Salvador Gentile. 75. Ed. Araras: IDE, 2009.

[7] ZIRALDO ARTES PRODUÇÕES. Ziraldo. Disponível em: <http://ziraldoproducoes.com.br/ziraldo/>. Acesso em 7. Abr. 2024.

[8] NASCIMENTO, M. O Menino Maluquinho. Disponível em: < https://www.letras.mus.br/milton-nascimento/1176751/>. Acesso em 7. Abr. 2024.

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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